O editor executivo David Pitts recorda a hist¡¦ia do esfor¡¦ para a preparação e adoção pela ONU da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
N¡¦ havia nenhuma garantia de um resultado satisfat¡¦io quando a Comiss¡¦ dos Direitos Humanos da ONU realizou a sua primeira sess¡¦ em janeiro de 1947 em Nova York. Sua finalidade era a execução de uma tarefa in¡¦ita em toda a hist¡¦ia humana - a redação de uma declaração universal dos direitos humanos para todo homem, mulher e crian¡¦ no planeta.
Desde o in¡¦io, todos os presentes sabiam que a tarefa n¡¦ seria f¡¦il. Diferen¡¦s em ideologia, cultura, e hist¡¦ia dividiam at?mesmo os pa¡¦es com sistemas econ¡¦icos e sociais similares. Mas sob um aspecto eles estavam unidos. Todos eles compartilhavam uma profunda avers¡¦ moral em relação ?colossal perda de vidas humanas na guerra que havia terminado recentemente - aproximadamente 50 milh¡¦s de pessoas.
No meio de s¡¦ulo XX, no coração da Europa, um dos estados mais adiantados do mundo havia tentado extinguir at?mesmo os direitos humanos mais b¡¦icos, e, por algum tempo, com a ajuda dos seus parceiros do Eixo, conseguiu fazer isso em grandes extens¡¦s do planeta. Esse fato, acima de tudo, criou uma determinação, entre as pessoas que se reuniram em Nova York no inverno de 1947, de que elas deveriam atingir o seu objetivo. Uma declaração universal dos direitos humanos era a sua meta, clara e inequ¡¦oca.
Mesmo antes do final da Segunda Guerra Mundial, em 1941, o esfor¡¦ para o reconhecimento mundial dos direitos humanos inalien¡¦eis come¡¦u a se fazer sentir - na Carta do Atl¡¦tico, e alguns meses antes, no discurso "Quatro Liberdades" do presidente dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt, proferido no Congresso. Na Gr?Bretanha, o primeiro-ministro Winston Churchill fazia suas as opini¡¦s do presidente americano, declarando que uma vit¡¦ia aliada marcaria "a consolidação dos direitos humanos". E no mundo inteiro, os povos colonizados estavam chegando ?conclus¡¦ de que a liberdade e os direitos humanos n¡¦ eram apenas privil¡¦ios dos europeus e dos americanos, e sim de todos os homens e mulheres em todos os lugares.
Enquanto o mundo estava come¡¦ndo a pensar em conceitos fundamentais como a justi¡¦ e a liberdade de uma nova forma, os julgamentos dos crimes de guerra em Nuremberg e T¡¦uio firmemente estabeleceram o precedente de que as pessoas que violam os direitos humanos devem ser julgadas e que deveria haver mecanismos claros e precisos para lidar com as pessoas culpadas de crimes contra os direitos humanos, especialmente em massa, em tempo de guerra ou de paz.
O Documento Constitutivo das Nações Unidas, adotado em 1945, estabeleceu o objetivo de "promover e encorajar o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de todos sem distinção de ra¡¦, sexo, l¡¦gua e religi¡¦." Os governos tiveram um papel essencial na elaboração do documento constitutivo. Mas, um fato que n¡¦ ?t¡¦ bem conhecido, ?que muitas organizações de direitos humanos tamb¡¦ o fizeram - mais de 1.300, de acordo com uma fonte.
Embora o Documento Constitutivo da ONU tenha dado um novo status legal internacional aos direitos humanos, ele n¡¦ inclu¡¦, especificamente, uma declaração internacional de direitos e garantias, uma coisa que muitos vinham advogando. Essa tarefa foi atribu¡¦a ?Comiss¡¦ de Direitos Humanos.
Os Colaboradores
Uma figura essencial para a evolução da Declaração Universal foi Eleanor Roosevelt, a vi¡¦a do presidente Franklin Roosevelt, que havia falecido em 1945. Ela foi selecionada , pelo presidente Harry Truman, sucessor do seu marido, para ser a primeira representante dos Estados Unidos na comiss¡¦.
Por tudo o que se sabe, Roosevelt tinha uma boa dose de autonomia para formular a pol¡¦ica dos Estados Unidos no sentido de elaborar o documento. "Na verdade, a Sra. Roosevelt estabeleceu a pol¡¦ica," escreve Joseph Lash no seu livro Eleanor: The Years Alone (Eleanor: Os Anos de Solid¡¦). "Ela era uma pessoa indicada pelo presidente, uma mulher de estatura mundial, e o Departamento de Estado estava ansioso para fazer o que ela quisesse." Talvez por causa da sua reputação, n¡¦ somente nos Estados Unidos mas no mundo inteiro, os delegados da comiss¡¦ a elegeram presidente por unanimidade.
Eleanor Roosevelt presidia um comit?de elaboração, sob os ausp¡¦ios da comiss¡¦, que inclu¡¦ Charles Malik, do L¡¦ano, P.C. Chang, da China, o canadense John Humphrey, diretor da Divis¡¦ de Direitos Humanos da ONU, e Ren?Cassin, da Fran¡¦, entre outros.
Como relator da comiss¡¦, Malik tinha uma função importante, especialmente no que diz respeito ?preparação da vers¡¦ final. Os colegas de Malik na delegação atribuem a ele o cr¡¦ito de ser exercido grande influ¡¦cia na inclus¡¦ de um conte¡¦o vigoroso no documento.
Chang, um dos dois vice-presidentes da comiss¡¦, era uma voz poderosa representando as nações asi¡¦icas, que achavam que a Declaração n¡¦ deveria ter uma vis¡¦ muito regional dos direitos humanos. "Ela deveria incorporar as id¡¦as de Conf¡¦io, assim como as de Tom¡¦ de Aquino," ele disse. Al¡¦ disso, Chang tem o m¡¦ito de ter resolvido muitos impasses no processo de negociação.
O Secretariado da ONU apoiou o trabalho da comiss¡¦ e o comit?de elaboração, especialmente por interm¡¦io de Humphrey. Uma das suas m¡¦tiplas contribuições foi a autoria de uma norma de 408 p¡¦inas para a Declaração. Essa orientação teve um valor inestim¡¦el a partir do in¡¦io do processo da elaboração da Declaração.
Cassin, the other vice-presidente da comiss¡¦, comp¡¦ a primeira vers¡¦ da Declaração, que continha boa parte da linguagem que, mais tarde, seria inclu¡¦a no documento final.
Muitos dos outros representantes dos mais de 50 governos envolvidos tamb¡¦ tiveram uma função vital, especialmente na preparação da vers¡¦ final. Mas de acordo com os especialistas da Declaração Universal, os altos funcion¡¦ios da ONU, sob a lideran¡¦ de Eleanor Roosevelt, foram os grandes respons¡¦eis pela tarefa de transformar o sonho de uma declaração universal de direitos humanos em uma realidade durante os laboriosos dias e meses de reuni¡¦s nos anos de 1947 e 1948. Sua garra, sua vis¡¦, e especialmente, sua habilidade para conciliar os muitos e opostos pontos de vista, foram vitais para o sucesso do empreendimento.
Uma Tarefa Dif¡¦il
Mas n¡¦ se tratava de uma tarefa f¡¦il. Havia diferen¡¦s significativas entre os pa¡¦es-membros, a respeito dos direitos das mulheres e das minorias raciais, da liberdade religiosa, do ponto em que a vida come¡¦, do n¡¦el em que a liberdade de express¡¦ deve ser protegida, do direito de discordar, e do papel dos direitos econ¡¦icos e sociais.
Os desentendimentos mais s¡¦ios se originaram dos conceitos inteiramente diferentes, do Ocidente e do bloco sovi¡¦ico, de princ¡¦ios fundamentais de direitos humanos como liberdade e democracia. Roosevelt argumentava que "n¡¦ havia a verdadeira liberdade individual na Uni¡¦ Sovi¡¦ica porque os direitos do indiv¡¦uo eram subservientes em relação ao estado."
Os representantes do bloco sovi¡¦ico contra-argumentavam, dizendo que "o culto ao individualismo" levava ?exploração econ¡¦ica e que os direitos econ¡¦icos eram mais importantes do que os direitos pol¡¦icos. "Esta declaração deve manter, como um modelo para toda a humanidade, a figura dos homens livres, e n¡¦ de escravos bem alimentados," respondeu um delegado brit¡¦ico durante uma famosa discuss¡¦. Distinções filos¡¦icas e ideol¡¦icas fundamentais como essas caracterizavam os debates de comiss¡¦ ?medida que a elaboração da Declaração prosseguia.
Os delegados que representavam os pa¡¦es comunistas se opunham veementemente ao rumo que as deliberações da comiss¡¦ tomavam, ¡¦ vezes fazendo discursos ininterruptos com oito horas de duração, na tentativa de fazer com que a redação da Declaração pendesse para o seu ponto de vista. Como presidente, Roosevelt lhes deu uma latitude consider¡¦el, mas, como registrou em sua autobiografia, ela estava decidida a terminar a tarefa at?o natal de 1948. "Eu administro [a equipe] com energia, e estarei cansada ao chegar em casa. Os homens da comiss¡¦ tamb¡¦ estar¡¦," ela disse.
Al¡¦ das disputas em relação aos artigos do documento, havia duas opini¡¦s predominantes sobre a possibilidade de a Declaração ser amparada pela for¡¦ da legislação internacional. Um grupo, composto em grande parte por pequenas nações, acreditava que ela deveria ser. O outro grupo, que inclu¡¦ os Estados Unidos, argumentava que deveria ser feita uma declaração de princ¡¦ios e que esta deveria ser seguida por acordos formais, com for¡¦ de lei, posteriormente. Na vis¡¦ desse grupo, j?era bastante dif¡¦il chegar a um acordo sobre declaração de direitos humanos; insistir em disposições com for¡¦ de lei provavelmente causaria um atraso de anos no acordo. No final, esta vis¡¦ prevaleceu.
Houve muitos altos e baixos no esfor¡¦ de dois anos, mas Roosevelt e sua equipe de pessoas que realmente acreditavam no que estavam fazendo atingiram o seu objetivo. Na madrugada de 10 de dezembro de 1948, a Assembl¡¦a Geral das Nações Unidas adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Dos 58 membros representados na sess¡¦, 48 votaram a favor, nenhum votou contra, oito se abstiveram, e dois estavam ausentes.
A Uni¡¦ Sovi¡¦ica e seus pa¡¦es-sat¡¦ites constitu¡¦am a maioria das abstenções; o representante sovi¡¦ico disse que a Declaração enfatizava, de forma exagerada, "direitos do s¡¦ulo XVIII", em detrimento dos direitos econ¡¦icos. A Ar¡¦ia Saudita se absteve porque, na sua opini¡¦, a Declaração apresentava tend¡¦cias ocidentais em demasia. A ¡¦rica do Sul, cuja longa hist¡¦ia de apartheid come¡¦u naquele mesmo ano, tamb¡¦ se absteve, argumentando que a Declaração incorporava uma vis¡¦ abrangente demais dos direitos humanos.
Apesar das abstenções, houve uma maioria esmagadora de votos a favor. Discursando perante a Assembl¡¦a Geral, Roosevelt enfatizou o valor hist¡¦ico da Declaração:
Hoje estamos no limiar de um grande evento, tanto na vida das Nações Unidas quanto na vida da humanidade. Esta Declaração poder?vir a ser a Carta Magna internacional para todos os homens de todos os lugares. Esperamos que a sua proclamação pela Assembl¡¦a Geral seja um evento compar¡¦el ao da proclamação dos Direitos do Homem pelo povo da Fran¡¦ em 1989, a adoção da Declaração dos Direitos e Garantias pelo povo dos Estados Unidos, e a adoção de declarações compar¡¦eis em ¡¦ocas diferentes, e em outros pa¡¦es.
A Import¡¦cia da Realização
A abrang¡¦cia da realização era ¡¦via para todos. Nunca antes, na hist¡¦ia do mundo, a comunidade das nações havia identificado, com sucesso, direitos e liberdades espec¡¦icas n¡¦ apenas para uma nação, n¡¦ apenas para uma categoria de pessoas, mas para todas as pessoas, em todos os lugares, para sempre.
O Artigo 1 da Declaração Universal d?o tom para uma ampla variedade de direitos pol¡¦icos, sociais, e econ¡¦icos que s¡¦ estabelecidos como um padr¡¦ comum de realização para todas as nações: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de raz¡¦ e de consci¡¦cia, devem agir uns para com os outros em esp¡¦ito de fraternidade."
Ap¡¦ a guerra mais b¡¦bara da hist¡¦ia, o mundo finalmente havia adotado um conjunto de princ¡¦ios que, segundo de esperava, tra¡¦ria um novo rumo para a humanidade - todas as nações se tornariam respons¡¦eis pelos seus atos, tanto interna quanto externamente.
No entanto, na condição de resolução da Assembl¡¦a Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal n¡¦ tinha for¡¦ de lei. As resoluções da Assembl¡¦a s¡¦ recomendações ¡¦ nações, n¡¦ sendo obrigações legais. Mas como Jack Donnely e Rhoda Howard enfatizam no International Handbook of Human Rights [Manual Internacional dos Direitos Humanos], com o passar do tempo, "a Declaração Universal passou a ser mais do que uma mera recomendação."
A Declaração inspirou v¡¦ias convenções regionais de direitos humanos na Europa, na Am¡¦ica Latina, e na ¡¦rica, e influenciou a redação das constituições de muitos dos novos estados independentes que surgiriam no cen¡¦io mundial nas d¡¦adas de cinq¡¦nta e sessenta, e mais tarde, na d¡¦ada de noventa. Aproximadamente 90 constituições nacionais elaboradas desde 1948 possuem disposições cujas origens remontam ?Declaração, de acordo com o Instituto Franklin e Eleanor Roosevelt em Nova York.
As normas e preceitos contidos na Declaração Universal, al¡¦ disso, foram elaboradas com maior profundidade em uma s¡¦ie de acordos, especialmente o Acordo Internacional Sobre os Direitos Civis e Pol¡¦icos [International Covenant on Civil and Political Rights] e o Acordo Internacional Sobre os Direitos Econ¡¦icos, Sociais, e Culturais [International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights]. Os acordos t¡¦ valor legal para os estados signat¡¦ios; essa era a intenção dos arquitetos da Declaração.
O Trabalho da Comiss¡¦ Continua
Todos os anos, a Comiss¡¦ de Direitos Humanos da ONU, a mesma organização presidida por Eleanor Roosevelt meio s¡¦ulo atr¡¦, se re¡¦e em Genebra para avaliar o cumprimento das normas de direitos humanos, por parte dos estados, e para responsabilizar aqueles que n¡¦ as cumprem. Embora as ferramentas ?disposição da comiss¡¦, para fazer valer a vontade da comunidade internacional, tenham sido criticadas por muitos defensores dos direitos humanos, que as consideram inadequadas, a import¡¦cia da sua capacidade de expor aqueles que violam os direitos humanos ?apreciação p¡¦lica ?inestim¡¦el.
Como disse Geraldine Ferraro, a representante dos Estados Unidos na comiss¡¦ de 1994 a 1996:
N¡¦, da comiss¡¦, temos a obrigação de nos manifestarmos, uma responsabilidade perante os nossos pares. Precisamos ser ouvidos. A nossa voz ?a voz das v¡¦imas: a crian¡¦ faminta, o menino for¡¦do a pegar em armas na condição de soldado, a garota que d??luz o filho de um estuprador, a m¡¦ que chora por n¡¦ poder alimentar sua fam¡¦ia, o pai acorrentado porque se atreveu a dizer o que pensava.
Portanto, o trabalho da comiss¡¦ e de outros ¡¦g¡¦s da ONU para fazer com que a Declaração Universal se torne uma realidade continua. O trabalho dos governos que consideram os seus princ¡¦ios sagrados tamb¡¦ continua. E continua tamb¡¦ o trabalho das milhares de organizações n¡¦-governamentais de direitos humanos no mundo inteiro que se inspiram o documento cujo nascimento 50 anos atr¡¦ n¡¦ celebramos no pr¡¦imo m¡¦ de dezembro.
Clique aqui para as recordações de tr¡¦ mulheres a respeito de Eleanor Roosevelt e seus esfor¡¦s para conseguir aprovar a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Quest¡¦s de Democracia
Uma revista eletr¡¦ica da USIA
Vol. 3, N.?3, Outubro de 1998