A LITERATURA MULTICULTURAL NOS ESTADOS UNIDOS: ADVENTO E PROCESSOJohn Lowe
Os escritores de cor dos Estados Unidos ajudam a legitimar a literatura norte-americana.
Nas universidades em todos os Estados Unidos, no limiar do s・ulo XXI, os estudantes que adentrarem a uma classe de literatura norte-americana se deparar・ com um programa que incluir?livros surpreendentemente diversos. De fato, mesmo nas escolas secund・ias, os adolescentes est・ ruminando sobre os escritos de homens e mulheres com nomes que parecem impronunci・eis ?primeira vista ou, pelo menos, n・ familiares. E mais, ?medida que os jovens investigam esses livros, eles aprendem mais que os seus pais o fizeram durante o gin・io sobre as experi・cias de representantes de diferentes grupos ・nicos, raciais e de imigrantes que hoje s・ parte do mosaico da popula艫o dos Estados Unidos. A literatura multicultural e imigrante pode estar se expandindo nos programas das faculdades e escolas secund・ias, mas n・ ? de nenhuma forma, um fen・eno novo. Ele remonta ?virada do s・ulo XX (quando legi・s de europeus vieram para os Estados Unidos) e mais al・, aos rec・-chegados do s・ulo XIX e at?mesmo, por exemplo, ・ hist・ias nativas americanas na tradi艫o oral. E, j?que os nativos americanos, como denota claramente sua identifica艫o, s・ os ・icos habitantes naturais do pa・, pode-se com raz・ argumentar que todos os demais escritores dos Estados Unidos s・ descendentes de outras culturas; na verdade, um grupo ・nico. O foco deste artigo, entretanto, ?sobre a literatura escrita por imigrantes n・-ingleses e seus descendentes, afro-americanos e nativos americanos. Como parte do decurso de estudo, a literatura ind・ena norte-americana ?um fen・eno relativamente recente. Quando Thomas Jefferson estudava na Faculdade William & Mary em meados dos・ulo XVIII, latim e grego reinavam na sala de aula. J?nesse s・ulo, a liga艫o colonial dos Estados Unidos com a Inglaterra ainda deixava uma marca: a maior parte das obras estudadas era de escritores ingleses. Na ・oca da sua morte em 1891, de fato, Herman Melville era uma figura virtualmente esquecida. Emily Dickinson e outros poetas e escritores do s・ulo XIX que agora s・ considerados "cl・sicos" tiveram que guardar at?os estudiosos do s・ulo XX os confirmarem e aclamarem para alcan・r esta posi艫o. Entretanto, se escritores anglo-americanos brancos, nascidos nos Estados Unidos, precisaram esperar sua vez no primeiro s・ulo da hist・ia norte-americana, os escritores multiculturais passaram pior. Frederick Douglass, agora exaltado pela sua autobiografia Narrative of the Life of Frederick Douglass, An American Slave e outros tinham hist・ias para contar para um p・lico leitor limitado. A mesma sorte sobreveio para as obras de outros not・eis escritores negros norte-americanos do final do s・ulo XIX: Anna Julia Cooper, Pauline Hopkins e Charles Chesnutt, por exemplo. Outros grupos ・nicos e raciais n・ tiveram nenhum perfil. Gradualmente, entretanto, surgiram alguns indiv・uos iluminados, como o romancista William Dean Howells, editor da prestigiada revista Atlantic Monthly no in・io do s・ulo XX, que tomou alguns desses escritores em seus bra・s, encorajando Chesnutt, Abraham Cahan (um imigrante judeu da Europa oriental) e o poeta negro Paul Lawrence Dunbar a apresentarem suas obras. Howells tamb・ utilizou-se de convencimento razo・el nos personagens ・nicos que falavam dialetos em A Hazard of New Fortunes e An Imperative Duty, dois dos seus ・timos romances. Como podemos definir escritos multiculturais ou multi-・nicos? No come・, a etnia foi explicada em termos de cores ("vermelha", "negra" e "branca"). ?medida que passava o s・ulo XIX e o debate nacional sobre a escravid・ aumentava, os cidad・s restringiram o foco para "negro" e "branco". Embora os negros americanos tenham se tornado vis・eis em todas as formas de express・ cultural nos Estados Unidos, principalmente durante a primeira metade da hist・ia da na艫o, eles foram descritos em textos origin・ios do sul dos Estados Unidos e invariavelmente em pap・s estereotipados. Apenas com a ascens・ de grupos como os elegantes homens de cor de fala francesa, Les Cenelles, cuja poesia discutia as complexidades de uma heran・ mista, emergiu uma voz ・nica verdadeiramente distinta. No final do s・ulo XIX, o escritor George Washington Cable come・u a opor-se ?cont・ua opress・ das pessoas de cor. Seu romance, The Grandissimes, foi um relato her・co da escravid・ contra o pano de fundo do rico mundo crioulo do Estado de Louisiana. Gradualmente, surgiram outros escritos multiculturais. Um ・dio cherokee denominado John Rollin Ridge, ou P・saro Amarelo, escreveu um romance not・el em 1854, n・ sobre os cherokees, mas sobre um lend・io bandido mexicano que cometeu assaltos na Calif・nia de forma similar a Robin Hood. Em seu devido tempo, principalmente no s・ulo XX, as ricas tradi苺es orais dos nativos americanos e afro-americanos (que incluem hist・ias, c・ticos, m・icas de trabalho, hist・ias criativas, lendas folcl・icas e poesia) foram exploradas, primeiramente por acad・icos de fala inglesa e depois por estudiosos dos pr・rios grupos multiculturais. Principalmente, entretanto, no final do s・ulo XIX e in・io do s・ulo XX, a literatura multicultural encontrou seu p・lico leitor atrav・ de colunas de jornais e revistas. Em Chicago, o jornalista Finley Peter Dunne criou um gar・m, o Sr. Dooley, um irland・ americano falador que detalharia assuntos locais, nacionais e internacionais para uma audi・cia de uma pessoa, o patr・ de nome Sr. Hennessey. Na cidade de Nova Iorque, os imigrantes judeus acompanharam fielmente o "Bintel Brief" no jornal em l・gua i・iche Cahan's Forward. Essa coluna, que consistia de cartas do rec・-chegado em busca de conselhos e aux・io, era amplamente lida. E, em Oklahoma, o ・dio creek Alexander Posey criou colunas c・icas de jornais com o personagem Fus Fixico e seu parceiro Hotgun. Houve alguns exemplos de literatura formal entre os grupos ・nicos durante as primeiras d・adas do ・timo s・ulo. Mary Antin e Anzia Yezierska foram os pioneiros da literatura judaica americana com seus romances e biografias. Their Eyes Were Watching God, de Zora Neale Hurston, e outras obras de escritores do Renascimento Harlem na d・ada de 1930, tinham impacto limitado, mas Native Son, de Richard Wright, enfocando um jovem negro de Chicago, foi um sucesso imediato em 1940 e tamb・ sele艫o do popular Clube do Livro do M・, o primeiro romance de um escritor negro a ser escolhido como tal. Ainda assim, os escritos ・nicos, particularmente os das mulheres, somente vieram a primeiro plano d・adas mais tarde. Nos anos 1940 e 1950, na literatura afro-americana, o romance de "protesto" permaneceu dominado por Wright, Ralph Ellison e James Baldwin (embora os romances de mist・io de Chester Himes tenham encontrado audi・cia). Na era do p・-guerra, naturalmente, com o advento do movimento dos direitos civis nos anos 1960, o ativismo pol・ico e a migra艫o da Am・ica Latina e ・ia a partir da d・ada de 1970, era muito natural que a expans・ da popula艫o multicultural dos Estados Unidos produziria um corpo liter・io consider・el, em padr・ que prossegue para o novo s・ulo. A quest・ era: como essa literatura encontraria o seu lugar na literatura norte-americana? O estudo real da literatura multicultural surgiu gradualmente durante as ・timas tr・ d・adas. Um estudante de uma universidade representativa no final dos anos 1960 poder?haver estudado um ou dois escritores, no m・imo, no seu curso de pesquisa de literatura norte-americana. Isto era relacionado, como sempre, ?ind・tria editorial, a qu?os editores dos Estados Unidos estavam publicando, menos que ao racismo e elitismo. O primeiro desafio da comunidade acad・ica era o de justificar com sucesso a necessidade de literatura ・nica no curr・ulo. O segundo era o de convencer os editores dos m・itos desse corpo de obra. Alice Walker, autora de The Color Purple e v・ios outros livros, lembra-se de haver lido uma vers・ em fotoc・ia do hist・ico romance de Hurston na faculdade, imaginando por qu?ela nunca havia ouvido falar dele e, mais ainda, por qu?ele n・ estava dispon・el impresso em nenhum lugar. Para causar impacto, a literatura multicultural necessitava ter sucesso em duas arenas. A primeira era nas salas de aula universit・ias. As universidades s・ os locais em que os professores s・ treinados e os futuros acad・icos aprofundam-se nos seus estudos e fazem escolhas de carreira com base nessa pesquisa. Neste sentido, as institui苺es de aprendizado mais alto t・ liga艫o direta com os padr・s de leitura estabelecidos pelas pessoas quando adultos. A segunda arena consistia das organiza苺es nacionais, tais como a Associa艫o da Linguagem Moderna, que promovem confer・cias anuais com milhares de participantes e um sem-n・ero de apresenta苺es escolares, que podem ser influentes tanto para acad・icos em desenvolvimento, como para autoridades vener・eis. Como recentemente no in・io dos anos 1970, o MLA ainda se restringia aos c・ones norte-americanos, marcados pelas inclina苺es de Hawthorne, Fitzgerald, Faulkner e Hemingway e alguns escritores judeus contempor・eos do sexo masculino, tais como Philip Roth e Saul Bellow. Em um encontro anual, um grupo de jovens estudiosos pressionou, sem sucesso, pela necessidade de um painel sobre literatura multicultural; rejeitados, eles se reuniram no sal・ de um hotel para uma discuss・ improvisada sobre a literatura afro-americana. Daquela conversa moment・ea, surgiu a Sociedade para o Estudo da Literatura Multi-・nica dos Estados Unidos, ou MELUS. Com divis・s em diversos pa・es e planos de expans・ para outros, a MELUS apresenta duas sess・s anuais na confer・cia da MLA, promove sua pr・ria sess・ anual e edita uma publica艫o que apresentou a estudiosos v・ios novos escritores com diversas forma苺es. Naturalmente, a MLA possui elenco totalmente diferente nos dias de hoje. Na reuni・ mais recente do grupo, em dezembro de 1999, o programa incluiu sess・s sobre etnia, hibridismo, transnacionalismo e muitos outros assuntos relacionados ao multiculturalismo. Na ocasi・, tamb・ a Associa艫o de Estudos Americanos, importante grupo profissional de professores de literatura e hist・ia norte-americana, promoveu ainda confer・cias sobre temas como a din・ica do multiculturalismo e o impacto das fronteiras. Com esses desenvolvimentos ben・icos em organiza苺es escolares e com a onda de novas chegadas aos Estados Unidos, o fato ?que a literatura multicultural como direcionamento e disciplina surgiu principalmente de uma s・ie de desenvolvimentos de estudos liter・ios a partir da d・ada de 1970. O trabalho de cr・ica europ・a em rela艫o ?"diferen・" na literatura encorajou os estudiosos dos Estados Unidos, tais como o professor Edward Said, da Universidade de Col・bia, a explorar este tema (a posi艫o de "a outra" e o ex・ico na literatura ocidental). Como resultado, os estudiosos come・ram a investigar escritores com diferentes antecedentes ・nicos e raciais, tais como o escritor sino-americano Maxine Hong Kingston ou os nativos americanos Leslie Marmon Silko e Gerald Vizenor. Por fim, um decidido impacto emergiu da posi艫o do professor de literatura da Universidade de Harvard Werner Sollors (em seu livro de 1986, "Beyond Ethnicity") sobre uma nova defini艫o de etnia, que depende de fronteiras ao inv・ de conte・o. Sua determina艫o foi de que toda a literatura norte-americana era ・nica e suas cuidadosas leituras tanto dos trabalhos dos c・ones tradicionais como do crescente n・ero de textos ・nicos prontificou uma nova an・ise do pr・rio c・one. Qualquer que seja o campo da literatura, um dos componentes mais vitais para o seu estudo ?a cria艫o de uma ou mais antologias (amostras de leituras representativas que, quando tomadas em conjunto, podem formar a base para um curso de estudo). Em 1982, o professor de literatura Paul Lauter reuniu mais de 40 estudiosos, incluindo diversos especialistas em literatura ・nica, para um simp・io de ver・ na Universidade de Yale. As conversa苺es foram projetadas para exibir, criticar e estabelecer os exemplos paradigm・icos da literatura ・nica norte-americana para que uma antologia revolucionasse o estudo da literatura norte-americana. Desde a sua publica艫o em 1990 por uma editora acad・ica norte-americana e sua republica艫o por W. W. Norton & Co., um importante editor de fic艫o e n・-fic艫o em geral com sede em Nova Iorque, o conjunto de dois volumes resultante, Heath Anthology of American Literature, provou ser um catalisador valioso para este campo de estudo. No seu rastro, seguiram-se in・eras colet・eas que tratam a literatura norte-americana como um todo, com os escritores multiculturais bem representados, bem como volumes que cobrem disciplinas individuais. O n・ero de antologias de literatura asi・ico-americana, nativa americana e outras aumenta ano ap・ ano. Quem s・ esses escritores multiculturais? Eles s・ numerosos e surpreendentemente diversos. Os estudantes de hoje nos campi das faculdades norte-americanas e, na verdade, os estudantes de conhecimentos e literatura norte-americana em todo o mundo, t・ a oportunidade de examinar os escritos de romancistas, dramaturgos, poetas e memorialistas cujas ra・es est・ no Caribe e no M・ico, ・dia e Cor・a, Paquist・ e Vietn? L・ano e Filipinas, bem como na Am・ica negra e nas na苺es nativas americanas. ?interessante notar uma poss・el futura expans・ em uma nova dire艫o no campo da literatura multicultural norte-americana. Um dos problemas que atormentam a comunidade acad・ica tem sido o fato de que quantidade significativa de obras inclu・as apropriadamente nesta disciplina foi escrita em idiomas diferentes do ingl・ e, em seguida, mal traduzida. Como resultado, o Instituto Longfellow, recentemente estabelecido na Universidade de Harvard, est?trabalhando para identificar, coletar e novamente traduzir literatura de diversas culturas e de todas as ・ocas. A recente antologia de Werner Sollors Multilingual America: Transnationalism, Ethnicity and the Languages of American Literature, fornece uma id・a do trabalho sendo realizado em Longfellow. Para ter certeza, esses desenvolvimentos que expandem a influ・cia da literatura multicultural, paralelamente ?sua real cria艫o pela diversidade de contadores de hist・ias neste campo, n・ acontecem sem algum n・el de controv・sia e debate. Cada novo compromisso entre professor e estudante pode ser intimidador, at?que o assunto seja explorado. Ainda assim, atualmente se reconhece de forma geral nos Estados Unidos que parte da melhor literatura contempor・ea deste pa・ possui origem, narra艫o, id・as e perspectivas multiculturais e que as quest・s de fam・ia, identidade, busca da auto-express・ e comunidade que s・ levantadas pelos membros de outros grupos ・nicos e raciais na fic艫o e n・-fic艫o abrange a todos n・. Por fim, dada a demografia em mudan・ da na艫o como um todo, a literatura multicultural ?inequivocamente representativa. ---------- John Lowe ?professor de ingl・ da Universidade do Estado de Louisiana e autor de Jump At the Sun: Zora Neale Hurston's Cosmic Comedy e outros livros.
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