OS DESAFIOS DA POL¡¦ICA EXTERNA ENFRENTADOS PELO GOVERNO BUSH
Robert J. Lieber, Professor de Governo e Assuntos Externos
Quando um presidente norte-americano toma posse, ele traz consigo uma equipe inteiramente nova de autoridades da pol¡¦ica externa. Ao contr¡¦io da maior parte das demais democracias, nos Estados Unidos as mudan¡¦s de pessoal s¡¦ muito mais extensas e incluem n¡¦ apenas os principais elaboradores de pol¡¦icas (tais como o secret¡¦io de Estado, o secret¡¦io da Defesa e o conselheiro de Seguran¡¦ Nacional), mas um sem-n¡¦ero de nomeados de segundo escal¡¦ e at¡¦v¡¦ios funcion¡¦ios nessas e em outras ag¡¦cias do governo. A caracter¡¦tica e o tom da pol¡¦ica muda, portanto, de forma a refletir as opini¡¦s e id¡¦as do presidente e dos que o rodeiam, embora tamb¡¦ seja essencial ter em mente que o papel dos Estados Unidos no mundo e os tipos de problemas e oportunidades por eles enfrentados tamb¡¦ ditam boa parcela de continuidade. Embora o presidente George W. Bush n¡¦ detenha extensos conhecimentos de pol¡¦ica externa, ele se rodeou de uma equipe incomumente experiente e vitoriosa. O secret¡¦io de Estado Colin Powell trabalhou anteriormente como chefe do Estado Maior Conjunto e conselheiro de Seguran¡¦ Nacional. O secret¡¦io da Defesa Donald Rumsfeld retorna ao cargo que havia ocupado anteriormente. Al¡¦ disso, ele j¡¦havia chefiado uma comiss¡¦ que analisou a vulnerabilidade dos Estados Unidos aos ataques com m¡¦seis e recomendou um programa de defesa com m¡¦seis. A conselheira de Seguran¡¦ Nacional Condoleezza Rice trabalhou no Conselho de Seguran¡¦ Nacional (NSC), lidando com quest¡¦s europ¡¦as durante o final da Guerra Fria. E o vice-presidente Dick Cheney n¡¦ s¡¦foi secret¡¦io da Defesa no anterior governo Bush, mas tamb¡¦ trabalhou como chefe de Equipes da Casa Branca com o presidente Gerald Ford. Al¡¦ disso, as autoridades de segundo escal¡¦ no Estado, Defesa e NSC (Richard Armitage, Paul Wolfowitz e Stephen Hadley) tamb¡¦ trazem expressivas credenciais e vasta experi¡¦cia na pol¡¦ica externa e de defesa, da mesma forma que Robert Zoellick no seu cargo de representante especial de Com¡¦cio. A experi¡¦cia e os conhecimentos ser¡¦ importantes ¡¦medida que o governo Bush enfrentar os principais desafios internacionais que agora se apresentam aos Estados Unidos. As quest¡¦s espec¡¦icas de pol¡¦ica externa e de seguran¡¦ necessitam ser examinadas com relação ao cen¡¦io do papel dos Estados Unidos no mundo, no in¡¦io do s¡¦ulo XXI. O final da Guerra Fria, h¡¦uma d¡¦ada, teve enorme impacto sobre a pol¡¦ica mundial e as conseqüências desta mudan¡¦ ainda repercutem. Como resultado, tr¡¦ amplas tend¡¦cias moldam o papel dos Estados Unidos e o contexto em que o governo Bush atende aos desafios da pol¡¦ica externa. Em primeiro lugar, os Estados Unidos encontram-se em posição privilegiada como o pa¡¦ individual mais potente e influente do mundo. Essa posição, ou primazia, excepcional ¡¦conseqüência do colapso da Uni¡¦ Sovi¡¦ica e do fato de que nenhum outro pa¡¦ ou grupo espec¡¦ico de pa¡¦es tem a capacidade de competir eficientemente com os Estados Unidos. N¡¦ apenas os Estados Unidos possuem grau ¡¦ico de poderio militar e avan¡¦s tecnol¡¦icos, mas o papel norte-americano de lideran¡¦ tamb¡¦ ¡¦evidente em ampla gama de setores: poderio econ¡¦ico, competitividade, tecnologia da informação e at¡¦o dom¡¦io do entretenimento e da cultura de massa. Essa posição cria tanto oportunidades como problemas para os Estados Unidos. Em segundo lugar, a lideran¡¦, ou pelo menos o envolvimento ativo norte-americano, ¡¦um requisito pr¡¦io para muitos tipos de colaboração internacional. Este ponto ¡¦especialmente relevante no campo da seguran¡¦ e tornou-se evidente tanto em ocasi¡¦s quando os Estados Unidos agiram (como no Kosovo em 1999, na B¡¦nia a partir de 1995 e no Golfo), como quando recusou-se a liderar (na B¡¦nia entre 1992 e 1995, em Ruanda em 1994 e, inicialmente, no Timor Leste). Em muitos casos, o resultado da n¡¦ tomada do papel de lideran¡¦ pelos Estados Unidos n¡¦ ¡¦a lideran¡¦ por outro pa¡¦ ou organismo regional internacional, mas a inexist¡¦cia de ações. Isso tamb¡¦ representa um problema para os Estados Unidos, por necessitar equilibrar-se entre o compromisso excessivo de tornar-se a policia do mundo, por um lado, e a recusa, por outro lado, em proporcionar a lideran¡¦ que ¡¦do seu pr¡¦rio interesse e que promove um ambiente internacional benigno e mais est¡¦el. Em terceiro lugar, o final da Guerra Fria tornou mais dif¡¦il para os Estados Unidos alcan¡¦r cooperação com seus aliados e amigos. No passado, um sentido de amea¡¦ comum estimulava a cooperação e agia como restrição sobre as inevit¡¦eis diferen¡¦s e disputas que surgiam entre os aliados. Com essa amea¡¦ ausente, os pa¡¦es det¡¦ maior tentação de buscar seus interesses mais estreitos, mesmo que possam criar obst¡¦ulos ¡¦colaboração para enfrentar problemas comuns. Esta menor sensação de amea¡¦ tamb¡¦ torna mais dif¡¦il para o governo norte-americano obter apoio dom¡¦tico para uma pol¡¦ica externa efetiva. Sem o desafio representado pela Uni¡¦ Sovi¡¦ica, tende a existir redução do interesse pela pol¡¦ica externa por parte do p¡¦lico norte-americano e menor prioridade para assuntos externos e para o fornecimento dos recursos essenciais para sustentar o papel dos Estados Unidos no mundo. N¡¦ ¡¦uma quest¡¦ de isolacionismo. O p¡¦lico, a imprensa e o Congresso permanecem internacionalistas e n¡¦ isolacionistas, mas os problemas da pol¡¦ica externa tendem a n¡¦ apresentar o mesmo grau de urg¡¦cia, como durante a Guerra Fria. Dadas essas considerações mais amplas, parece que pelo menos quatro amplos desafios provavelmente liderar¡¦ a agenda de pol¡¦ica externa enfrentada pelo governo Bush. A primeira dessas preocupações refere-se ¡¦ relações com os aliados norte-americanos, especialmente os europeus e japoneses. No caso dos europeus, surgiu uma s¡¦ie de recentes controv¡¦sias sobre a defesa com m¡¦seis, a for¡¦ r¡¦ida de reação planejada pela Uni¡¦ Europ¡¦a, disputas comerciais, alimentos geneticamente modificados e quest¡¦s simb¡¦icas, como a pena de morte e o controle de armas. Por detr¡¦ de muitas dessas diferen¡¦s, encontra-se a reação europ¡¦a ao tamanho e poder dos Estados Unidos, bem como a percepção de que, ¡¦ vezes, os Estados Unidos atuam unilateralmente sem consideração suficiente pelas sensibilidades europ¡¦as. Do lado norte-americano, existe a preocupação sobre a divis¡¦ dos encargos, a ansiedade de que os europeus possam ser tentados a prosseguir sozinhos ¡¦medida que a Uni¡¦ Europ¡¦a desenvolve maior homogeneidade na pol¡¦ica externa e econ¡¦ica, e a frustração com as dificuldades para consultar e negociar com os quinze pa¡¦es da Uni¡¦ Europ¡¦a, que freq¡¦ntemente discordam severamente entre si, ou tornam-se r¡¦idos em sua interação com os Estados Unidos ao modelarem uma pol¡¦ica comum para eles pr¡¦rios. Apesar desses atritos muito reais, os europeus continuam a depender dos Estados Unidos no campo da seguran¡¦ e compartilhamos valores e interesses econ¡¦icos fundamentais. O governo Bush necessitar¡¦dedicar tempo e energia consider¡¦eis para consultar os l¡¦eres europeus e tentar acalmar algumas (n¡¦ todas) das suas preocupações. A perspectiva geral ¡¦de atrito cont¡¦uo, mas sem div¡¦cio transatl¡¦tico. Em segundo lugar, as relações com a R¡¦sia apresentam-se como desafio fundamental. Uma d¡¦ada ap¡¦ o final da Guerra Fria e o colapso da Uni¡¦ Sovi¡¦ica, existem menos ilus¡¦s sobre a transição russa. A R¡¦sia continua a experimentar profunda crise econ¡¦ica, social e demogr¡¦ica, o que deixa claro que a construção de uma economia de mercado e um sistema pol¡¦ico genuinamente democr¡¦ico ser¡¦ na melhor das hip¡¦eses, uma tarefa longa e ¡¦dua. Por outro lado, a R¡¦sia n¡¦ ¡¦mais uma amea¡¦ global aos interesses e valores norte-americanos. Entretanto, Moscou tende a buscar pol¡¦icas que o governo Bush sem d¡¦ida procurar¡¦desencorajar. Estas incluem seus esfor¡¦s para restabelecer o controle sobre alguns Estados da antiga Uni¡¦ Sovi¡¦ica (especialmente a Ucr¡¦ia, Azerbaij¡¦, Ge¡¦gia e Arm¡¦ia). Al¡¦ disso, Moscou n¡¦ apenas vem se opondo aos esfor¡¦s norte-americanos e brit¡¦icos para manter as sanções das Nações Unidas contra o Iraque, mas tamb¡¦ est¡¦oferecendo aberturas para o regime nocivo de Saddam Hussein. No Ir¡¦ os russos forneceram tecnologia nuclear que poder¡¦permitir que o regime de Teer¡¦consiga uma bomba de fabricação pr¡¦ria. Sobre a defesa com m¡¦seis, os russos est¡¦ se opondo ativamente aos esfor¡¦s norte-americanos, apesar de serem dirigidos a estados nocivos como a Cor¡¦a do Norte. De forma geral, o governo Putin est¡¦seguindo uma pol¡¦ica de oposição ¡¦influ¡¦cia norte-americana. Sob essas circunst¡¦cias, a tarefa do governo Bush ser¡¦de fazer ver aos russos que essas pol¡¦icas s¡¦ um s¡¦io obst¡¦ulo ¡¦ melhores relações e que sua continuidade reduz as oportunidades russas de obtenção do tipo de acesso ao capital ocidental e ¡¦tecnologia que s¡¦ necess¡¦ios para seus pr¡¦rios e opressores problemas internos. Em terceiro lugar, a China apresenta problemas e escolhas exclusivas. Os governos anteriores lutaram pelo equil¡¦rio entre engajar Pequim a promover o desenvolvimento e a modernização econ¡¦ica que poder¡¦tornar a China uma sociedade mais aberta e pluralista, ou enfrentar o regime para que n¡¦ ameace Taiwan, n¡¦ forne¡¦ tecnologia nuclear e de m¡¦seis a poss¡¦eis proliferadores e n¡¦ ameace os interesses norte-americanos de forma mais ampla. Esta n¡¦ ¡¦uma tarefa f¡¦il. Uma China economicamente din¡¦ica optou por aumentar os gastos militares em mais de 17% em um processo cont¡¦uo de modernização e fortalecimento das suas for¡¦s armadas e a China continua a desenvolver m¡¦seis bal¡¦ticos intercontinentais dirigidos aos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que critica amargamente as propostas de Bush para a defesa com m¡¦seis. Em ainda outra quest¡¦, relatou-se que empresas chinesas est¡¦ instalando cabos de comunicações por fibra ¡¦ica que aumentariam a capacidade anti-a¡¦ea do Iraque contra as for¡¦s a¡¦eas norte-americanas e brit¡¦icas que patrulham as zonas de v¡¦s proibidos. Como orquestrar uma mescla de incentivos e desincentivos para moldar o comportamento da China ser¡¦ portanto, um teste crucial para o novo governo Bush. Ao mesmo tempo, ele necessitar¡¦reassegurar ao Jap¡¦ e ¡¦Cor¡¦a do Sul que suas pol¡¦icas podem ser eficazes, evitando ao mesmo tempo reações excessivas e entrincheiramento. Em quarto lugar, o Oriente M¡¦io, incluindo tanto o conflito ¡¦abe-israelense como o Golfo P¡¦sico, representa talvez o mais perigoso desafio isolado da pol¡¦ica externa para os Estados Unidos. O problema do Iraque ¡¦particularmente irritante, pois o desacato de Saddam Hussein ¡¦ inspeções de armas da ONU bem como o enfraquecimento das sanções contra seu brutal regime est¡¦ entre as primeiras quest¡¦s para a equipe de pol¡¦ica externa de Bush. Uma escolha inicial ser¡¦pela implementação ou n¡¦ de uma pol¡¦ica mais ambiciosa para a expuls¡¦ de Saddam. Diversos elaboradores de pol¡¦ica externa do governo Bush, que incluem o secret¡¦io da Defesa Rumsfeld e o vice-secret¡¦io Paul Wolfowitz, criticaram anteriormente o erro do governo Clinton em n¡¦ apoiar ativamente e armar uma oposição iraquiana, mas permanece a ser analisado se essa abordagem ou outra dedicada principalmente ¡¦revigoração das sanções ("sanções inteligentes", destinadas especificamente ¡¦produção iraquiana de armas de destruição em massa) ganhar¡¦o maior apoio. Em qualquer dos casos, o esfor¡¦ irredut¡¦el de Saddam no desenvolvimento de armas nucleares, qu¡¦icas e biol¡¦icas, ligando-as a m¡¦seis, certamente ser¡¦uma preocupação do governo Bush. Por outro lado, o conflito entre Israel e os palestinos provavelmente n¡¦ receber¡¦a intensa atenção dedicada pelo governo Clinton. A explos¡¦ de viol¡¦cia iniciada no final de setembro de 2000, bem como a rejeição, por Yasser Arafat, das propostas de paz mais abrangentes j¡¦apresentadas, fornecem, a meu ver, evid¡¦cias claras de que a lideran¡¦ palestina atualmente n¡¦ est¡¦disposta a terminar o conflito com Israel. Sob essas circunst¡¦cias, a tarefa principal para o governo Bush ser¡¦de deter a escalada para uma guerra mais ampla, aguardando um momento em que a viol¡¦cia seja reduzida e alguma forma de negociação tempor¡¦ia torne-se vi¡¦el. Durante esse per¡¦do, ser¡¦importante demonstrar firme apoio a Israel, a fim de desencorajar planos mal¡¦icos para fazer prevalecer, de alguma forma, seus oponentes ¡¦abes de linha dura, mantendo ao mesmo tempo comunicação eficiente com os l¡¦eres ¡¦abes. Ligado aos problemas acima est¡¦o desafio relacionado mas distinto de como remodelar a pol¡¦ica de defesa norte-americana para o s¡¦ulo XXI. Embora o t¡¦ico tenha sido levantado durante a ¡¦tima d¡¦ada, o governo Bush tomou para si o que promete ser o esfor¡¦ mais s¡¦io e sustentado de revis¡¦ geral e remodelagem das for¡¦s armadas, levando em conta o mundo modificado da era p¡¦-Guerra Fria, bem como a revolução da tecnologia militar e da artilharia de precis¡¦. Quest¡¦s de defesas com m¡¦seis e amea¡¦s de armas de distribuição em massa e terrorismo tamb¡¦ t¡¦ lugar importante nesta avaliação. Os Estados Unidos continuam a ocupar papel ¡¦ico nos assuntos mundiais. Em cada uma das ¡¦eas de pol¡¦ica externa e de seguran¡¦ aqui mencionadas, bem como nas ¡¦eas do com¡¦cio, pol¡¦ica econ¡¦ica internacional e pol¡¦ica externa n¡¦ tradicional como meio ambiente, mudan¡¦s clim¡¦icas, doen¡¦s, refugiados e intervenção humanit¡¦ia, a cooperação internacional raramente ¡¦eficiente sem papel ativo dos Estados Unidos. A tarefa para o novo governo Bush ser¡¦ portanto, de enfrentar esses diversos desafios, de forma a proporcionar lideran¡¦ sem tornar-se exagerada, manter a primazia norte-americana, engajar outros pa¡¦es a agirem em conjunto sempre que poss¡¦el e sustentar o apoio dom¡¦tico para as pol¡¦icas e o n¡¦el de recursos necess¡¦io para conduzi-las eficientemente. Este papel n¡¦ apenas ¡¦indispens¡¦el internacionalmente, mas tamb¡¦ reflete os interesses nacionais fundamentais dos Estados Unidos. ---------- As opini¡¦s expressas neste artigo s¡¦ as do autor e n¡¦ refletem, necessariamente, as opini¡¦s ou pol¡¦icas do governo dos Estados Unidos. Ao come¡¦ da p¡¦ina | ¡¦dice, Agenda de Pol¡¦ica Externa dos EUA, mar¡¦ 2001 | IIP revistas electr¡¦icas | IIP Home |