Uma Entrevista com John Shattuck
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John Shattuck ?o secret・io-assistente de Estado para Quest・s de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho, prestes a deixar o cargo. Ele foi indicado para ser o pr・imo embaixador dos Estados Unidos na Rep・lica Tcheca. Esta entrevista foi concedida no seu escrit・io, no dia 28 de setembro de 1998, ao editor e consultor Rick Marshall.
Pergunta: A Declara艫o Universal dos Direitos Humanos far?50 anos em dezembro. Como o senhor v?esse ・timo meio s・ulo em termos de direitos humanos?
Shattuck: Acho que esse ・timo meio s・ulo foi um grande paradoxo de muitas formas. Foi o per・do em que se construiu a base para um imp・io internacional da lei. A Declara艫o Universal dos Direitos Humanos e as Na苺es Unidas foram o esfor・ global coletivo para dizer "nunca mais" para os tipos de abusos presenciados durante a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. Elas deram uma voz a milh・s de pessoas no mundo inteiro. Na aus・cia da Declara艫o e da ONU, essas pessoas veriam os seus esfor・s para alcan・r a liberdade e para estabelecer os direitos humanos b・icos dissipados, porque ningu・ lhes daria aten艫o.
Por outro lado, neste ・timo meio s・ulo, presenciamos crises cont・uas no que diz respeito ・ liberdades b・icas e fundamentais. Durante a Guerra Fria, por exemplo, as for・s stalinistas avan・ram para esmagar as aspira苺es ?liberdade na Europa Oriental - elas, naturalmente, j?tinham feito a mesma coisa na Uni・ Sovi・ica. Muitos fen・enos similares ocorreram em partes da ・ia, especialmente na China.
Ao mesmo tempo, nosso pr・rio pa・ lutava com o terr・el legado da escravid・ e com o legado de ter contribu・o, e muito, para a destrui艫o de culturas ind・enas b・icas dos americanos nativos. Esses fatos formam o outro lado do paradoxo.
Agora, nos Estados Unidos, o que temos visto durante esse per・do ?um movimento dom・tico tremendo, poderoso, para acabar com - ou pelo menos para desenvolver solu苺es para - os terr・eis abusos dos direitos civis e liberdades civis que ocorreram na ・oca da escravid・ e no per・do que se sucedeu a ela. E tamb・ temos visto algum progresso no reconhecimento da import・cia dos direitos dos povos ind・enas, e muito progresso na atribui艫o de vozes e direitos a outros grupos menos favorecidos - especialmente as mulheres - mas tamb・ a outros grupos e minorias nacionais nesta grande mistura de ra・s que ?a Am・ica.
Mas ainda temos um longo caminho a percorrer e continuamos nessa estrada.
De muitas formas, o s・bolo do progresso dos direitos humanos, acima de tudo, neste per・do, foi o desenvolvimento de uma democracia multirracial na ・rica do Sul, ap・ a ru・a e a devasta艫o do apartheid. Portanto, vit・ias foram alcan・das durante este per・do, embora tenha havido muitos abusos horr・eis e cont・uos.
Mais recentemente, naturalmente, vimos o surgimento de terr・eis conflitos que resultaram em genoc・io, como em Ruanda e na ex-Iugosl・ia. Esses acontecimentos sempre servem para nos lembrar de que, embora os direitos possam parecer ・imos no papel, l・eres cheios de ・io podem estimular conflitos e destruir pa・es inteiros e exterminar numerosas popula苺es civis por meio das suas maquina苺es.
P: Que tipo de papel o movimento pelos direitos humanos teve na hist・ia deste ・timo meio s・ulo?
Shattuck: O movimento pelos direitos humanos tem conseguido uma legitimidade cada vez maior no decorrer desses 50 anos. Trata-se de um movimento que reflete as for・s crescentes e positivas da globaliza艫o e o desejo de todos os seres humanos de cuidar das suas pr・rias vidas em liberdade e em relativa paz. Portanto quando o mundo se re・e e adota um documento como a Declara艫o Universal dos Direitos Humanos e em seguida o projeta no decorrer dessas cinco d・adas, temos uma for・ de legitima艫o muito poderosa. Acho que o movimento teve um papel no Processo de Helsinque na antiga Uni・ Sovi・ica e na Europa Oriental.
Acho que o movimento est?tendo uma fun艫o, hoje, entre as pessoas que est・ lutando pelos direitos humanos na China, Indon・ia, Birm・ia e Nig・ia, lugares onde regimes autorit・ios muito fortes conseguiram suprimir os direitos humanos. No final, h?press・s muito fortes para mudar esses sistemas. Acho que as aspira苺es aos direitos humanos e a legitimidade dada pela Declara艫o Universal causam um impacto. Existe uma rela艫o entre o que acontece, de fato, em um pa・ e o que a comunidade internacional reconhece como leg・imo.
Um evento importante que ocorreu no in・io deste governo foi a Confer・cia Mundial Sobre os Direitos Humanos [World Conference on Human Rights], a Confer・cia de Viena. L? pela primeira vez, os pa・es do mundo realmente foram al・ das palavras da Declara艫o Universal e adotaram uma posi艫o segundo a qual os direitos humanos s・ um assunto leg・imo para diplomacia e discuss・ em n・el internacional. Isso foi muito importante. At?mesmo pa・es como a China assinaram relutantemente um documento sobre isso, junto com muitos outros pa・es que tinham assumido uma posi艫o segundo a qual as quest・s internas n・ podiam ser examinadas sob o ponto de vista dos direitos humanos.
Eu tamb・ acho que o que temos visto nos ・timos cinco anos, pela primeira vez, s・ coaliz・s internacionais se unindo exclusivamente para tratar das crises de direitos humanos. Esse foi o caso no Haiti, e esse foi o caso, muito tardiamente, na B・nia. Normalmente, as coaliz・s internacionais, particularmente aquelas que possuem uma componente militar, ser re・em por motivos de interesse nacional pr・rio. Neste caso, com os Estados Unidos por tr・, e quase sem nenhum outro motivo al・ dos terr・eis abusos dos direitos humanos, elas se formaram.
A maior decep艫o que tive nesses anos ?o fato de que a terr・el crise de Ruanda n・ conseguiu formar o tipo de consenso internacional para a艫o direta a tempo de salvar as 500.000 pessoas, aproximadamente, ou mais, que foram mortas no genoc・io de Ruanda. Mas acho que os precedentes foram estabelecidos nos casos do Haiti e de B・nia. Acho, com a crescente determina艫o internacional no que se refere ao Kosovo, que a comunidade internacional pode tomar atitudes pr・icas para lidar com os piores abusos dos direitos humanos.
No entanto, ainda falta muito para que tenhamos um sistema internacional verdadeiramente eficaz com um processo que assegure a observ・cia dos direitos humanos.
P: Qual ser? na sua opini・, a situa艫o dos direitos humanos daqui a 50 anos?
Shattuck: Acho que temos muitas tend・cias que competem entre si. Se as boas puderem superar as m・, esse sistema de prote艫o internacional dos direitos humanos poder?ter um progresso significativo. Mas isso significar?uma aceita艫o muito maior do princ・io segundo o qual os acontecimentos internos de um pa・, que causam um impacto s・io nos direitos humanos dos cidad・s, s・ um motivo leg・imo de preocupa艫o internacional. No momento, essa premissa n・ ?t・ amplamente aceita quanto deveria ser.
Isso significar?que a tend・cia para o aumento de conflitos ・nicos e religiosos ter?quer ser combatida por sistemas internacionais que evitem que esses conflitos progridam - por uma combina艫o de meios diplom・icos e ・ vezes militares, e tamb・ pelo desenvolvimento das sociedades civis. At?o momento n・ ainda n・ criamos um sistema muito eficaz para fazer com que esses conflitos religiosos e ・nicos parem antes de ficarem totalmente fora de controle.
Acho que o sistema econ・ico global ter?que ser acompanhado pelo respeito crescente pelos direitos trabalhistas b・icos internacionais, pelos direitos dos trabalhadores, e pela prote艫o das popula苺es vulner・eis contra a explora艫o - por exemplo, explora艫o do trabalho feminino e infantil. Os Estados Unidos assumiram a lideran・ ao tentar assegurar que essas prote苺es sejam observadas, mas h?muitos pa・es que resistem a isso.
Eu tamb・ acho que o nosso pr・rio pa・ ter?que continuar a tomar atitudes para reconhecer o sistema internacional que ?t・ importante para a prote艫o dos direitos humanos, ratificando, por exemplo, os v・ios tratados. Os Estados Unidos t・ estado muito envolvidos em preparar esses tratados; participamos da elabora艫o da Declara艫o Universal. Agora ?nossa responsabilidade tomar uma atitude e endossar plenamente o sistema legal de direitos humanos em n・el internacional.
Teremos que desenvolver melhores sistemas internacionais de justi・, tamb・. J?come・mos a fazer isso, desenvolvendo, pela primeira faz, tribunais de crimes de guerra para casos de genoc・io e crimes contra a humanidade na antiga Iugosl・ia e em Ruanda. Mas precisamos tomar provid・cias agora para desenvolver um sistema eficaz de justi・ em n・el internacional, nos moldes que t・ sido debatidos nos ・timos anos na Corte Criminal Internacional [International Criminal Court]. Houve muita disc・dia no que se refere aos detalhes, mas em ・tima an・ise, precisamos de um sistema que possa chegar aos terr・eis autores dos abusos que existem em muitos outros pa・es, al・ de Ruanda e da antiga Iugosl・ia.
Esses s・ os tipos de coisas que est・ na agenda para os pr・imos 50 anos. E precisaremos desse tempo para que realmente possamos trabalhar nelas. Trata-se de coisas que n・ acontecer・ da noite para o dia. Eu espero que quando estivermos comemorando o 100.?anivers・io, alguns, ou talvez at?mesmo todos esses sistemas estejam muito mais desenvolvidos do que est・ atualmente.
Quest・s de Democracia
Uma revista eletr・ica da USIA
Vol. 3, N.?3, Outubro de 1998