A liberdade religiosa, como Felice Gaer argumenta no artigo que apresentamos a seguir, ?garantida n¡¦ apenas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, como tamb¡¦ por importantes componentes da legislação internacional.Nos ¡¦timos anos, os governos de alguns pa¡¦es, especialmente o dos Estados Unidos, t¡¦ tomado atitudes no sentido de reafirmar a import¡¦cia da liberdade religiosa. Os esfor¡¦s do governo Clinton nesse aspecto incluem a criação de um Comit?Consultivo Sobre a Liberdade Religiosa no Exterior [Advisory Committee on Religious Freedom Abroad] do Escrit¡¦io de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho, do Departamento de Estado [State Department's Bureau of Democracy, Human Rights, and Labor]. Um coordenador s¡¦ior para quest¡¦s de liberdade religiosa, com um cargo equivalente ao de um embaixador, ser?empossado em breve. Sua tarefa ser?encorajar o apoio do governo dos Estados Unidos, em ¡¦bito mundial, como um fator no processo de elaboração de pol¡¦icas.
Atrav¡¦ da hist¡¦ia, as grandes religi¡¦s t¡¦ enfatizado o respeito pela dignidade e humanidade de cada indiv¡¦uo. No entanto, conflitos a respeito da identidade e da afiliação religiosa freq¡¦ntemente t¡¦ resultado em atos de intoler¡¦cia, perseguição, viol¡¦cia, milit¡¦cia e guerra. A busca da proteção ?liberdade religiosa foi refor¡¦da pela adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948.
Esse admir¡¦el documento "mestre" do movimento pelos direitos humanos foi criado nos anos que se seguiram ao Holocausto, depois que seis milh¡¦s de judeus, dos quais mais de um milh¡¦ n¡¦ eram nem adolescentes ainda, foram mortos em campos de concentração e c¡¦aras de g¡¦ nazistas. Os tr¡¦icos resultados da tentativa de aniquilar todos os judeus, assim como muitos outros, ainda estavam recentes demais, vis¡¦eis demais para serem ignorados. A ex-primeira dama dos Estados Unidos Eleanor Roosevelt, que presidiu a Comiss¡¦ dos Direitos Humanos, lembrou aos delegados que os povos do mundo esperavam uma provid¡¦cia imediata para a criação de uma Declaração que tornasse esse comportamento ilegal.
A Declaração Universal n¡¦ trata apenas do direito que cada pessoa tem de ter liberdade de pensamento, de consci¡¦cia, e de religi¡¦, mas afirma repetidas vezes que a discriminação baseada na religi¡¦ n¡¦ ?permiss¡¦el. Dois aspectos principais do direito s¡¦ estabelecidos: o direito de crer - um aspecto interno do direito - e o direito de manifestar essa cren¡¦ - externamente, sozinho ou na companhia de outras pessoas.
A Declaração afirmava explicitamente o direito que a pessoa tem de mudar de religi¡¦. No entanto, esse item provocou tamanha controv¡¦sia (especialmente entre os representantes dos estados isl¡¦icos) que foi modificado lingüísticamente, nos anos que se seguiram ?adoção do documento, mantendo, habilmente, a refer¡¦cia ao direito que todos t¡¦ de "ter ou adotar" uma religi¡¦ ou cren¡¦ - e portanto de mant?la, mud?la, ou at?mesmo abandon?la.
O Papel do Acordo Internacional
O Acordo Internacional da ONU de 1966 Sobre os Direitos Civis e Pol¡¦icos [UN's 1966 International Covenant on Civil and Political Rights], que tem a for¡¦ de um tratado internacional, faz com que a garantia da liberdade de pensamento, consci¡¦cia ou religi¡¦, seja de car¡¦er legalmente obrigat¡¦io para os pa¡¦es signat¡¦ios. Reiterando o direito que cada pessoa tem de manifestar suas cren¡¦s em quatro ¡¦eas - culto, observ¡¦cia, pr¡¦ica e ensino - ele sugere que esses aspectos externos do direito podem ser submetidos a alguns limites, mas somente conforme "necess¡¦io para proteger a seguran¡¦, a ordem, a sa¡¦e p¡¦lica, ou a moral ou os direitos e liberdades fundamentais de outros."
N¡¦ podem ser permitidos limites sobre o direito de crer, propriamente dito, nem mesmo em ¡¦ocas de emerg¡¦cia p¡¦lica. Notadamente, a seguran¡¦ p¡¦lica poderia ser um motivo para limitar certas pr¡¦icas religiosas, mas n¡¦ o conceito mais vago de "seguran¡¦ nacional." Portanto, foram feitos esfor¡¦s para assegurar que as limitações do Acordo n¡¦ pudessem ser usadas como um pretexto para um estado reprimir manifestações de religi¡¦ ou cren¡¦.
A preocupação com o papel essencial da educação patrocinada pelo estado na promoção de uma determinada religi¡¦, ou de abordagens ate¡¦tas militantes que eram comuns no auge da Guerra Fria na Uni¡¦ Sovi¡¦ica resultou na inclus¡¦ de um par¡¦rafo que garantia especificamente, aos pais, o direito de determinar e garantir a educação religiosa dos seus filhos.
Apesar de todas essas limitações e esclarecimentos, o Acordo, assim como a Declaração, n¡¦ faz nenhuma tentativa de definir o que constitui "religi¡¦", ou at?mesmo "liberdade de pensamento", ou "consci¡¦cia". As Nações Unidas levaram quase 20 anos para chegar a um acordo sobre outro documento, a Declaração da Eliminação de Todas as Formas de Intoler¡¦cia Religiosa [Declaration on the Elimination of All Forms of Religious Intolerance], que esclarece de maneira mais detalhada, o que consiste o direito ?liberdade de "pensamento, consci¡¦cia, religi¡¦, e cren¡¦."
Esta declaração, adotada em 1981 com um forte impulso vindo dos estados africanos, determina proibições de discriminação, tanto aquela imposta pelo governo quanto de car¡¦er privado; liberdade para manifestar uma religi¡¦ ou cren¡¦ sem interfer¡¦cia indevida por parte do governo; e o compromisso, por parte dos governos, no sentido de adotar medidas tanto legais quando de car¡¦er educativo, para eliminar a intoler¡¦cia religiosa.
Relator Especial Para Quest¡¦s de Intoler¡¦cia Religiosa
Com uma ¡¦fase, desde ent¡¦, na implementação da Declaração, a Comiss¡¦ de Direitos Humanos da ONU criou, em 1986, o cargo de Relator Especial Para Quest¡¦s de Intoler¡¦cia Religiosa [Special Rapporteur on Religious Intolerance], um investigador que tem a responsabilidade de verificar e relatar, anualmente, ?Comiss¡¦ de Direitos Humanos, os incidentes de intoler¡¦cia religiosa. Dois indiv¡¦uos que ocuparam esse cargo viajaram para investigar epis¡¦ios de intoler¡¦cia religiosa em pa¡¦es t¡¦ diversos quanto a Uni¡¦ Sovi¡¦ica, a China, o Ir? o Paquist¡¦, a Alemanha, a ¡¦dia, o Sud¡¦, a Austr¡¦ia, e mais recentemente, os Estados Unidos. E os seus relat¡¦ios cobriram uma variedade muito maior de pa¡¦es.
O relator informou que os tipos mais comuns de violações relacionadas ?intoler¡¦cia religiosa s¡¦:
limites sobre o proselitismo e a posse de artigos religiosos;
fechamento e destruição de locais de culto, limitação de publicações religiosas, e controle sobre o direito que as pessoas t¡¦ de eleger os seus l¡¦eres religiosos;
discriminação quanto ?educação, ao emprego, ?moradia, ao direito de possuir bens materiais, ao acesso ao cr¡¦ito, e similares;
ex¡¦io for¡¦do e expuls¡¦ de crentes religiosos locais; e
limites excessivos da liberdade de express¡¦ e de reuni¡¦.
Muitas vezes as autoridades do setor p¡¦lico s¡¦ respons¡¦eis, mas freq¡¦ntemente esses atos s¡¦ cometidos por indiv¡¦uos ou comunidades do setor privado.
O esfor¡¦ para tratar dessa quest¡¦ com energia n¡¦ tem sido f¡¦il; os estados t¡¦ solicitado ao relator especial que enfatize o di¡¦ogo, al¡¦ de monitorar as violações. No que lhe diz respeito, a ONU agiu de forma lenta e hesitante no trato dessa quest¡¦ nos anos da Guerra Fria. At?mesmo a disseminação da declaração de 1981 em certas l¡¦guas da ONU foi impedida; durante anos, n¡¦ foram reproduzidas nem distribu¡¦as c¡¦ias em russo, chin¡¦ e nem em ¡¦abe.
Os ¡¦g¡¦s da ONU que tratam dos direitos humanos das mulheres indicaram problemas quando a cultura ou a religi¡¦ s¡¦ usadas como uma desculpa para sancionar a viol¡¦cia contra as mulheres ou outras pr¡¦icas tradicionais abusivas. Em muitos eventos, incluindo a Quarta Confer¡¦cia Sobre Mulheres, realizada em Pequim, os estados t¡¦ afirmado, repetidamente, que tais alegações n¡¦ podem ser usadas para justificar essas (ou quaisquer outras) violações dos direitos humanos.
Muitas organizações religiosas extremistas estabeleceram medidas para impor a subordinação e a obedi¡¦cia por parte das mulheres e para negar a elas os seus direitos ?igualdade e ?liberdade. No Afeganist¡¦, as autoridades do movimento Taliban proibiram as mulheres de trabalhar fora de suas casas e sancionaram a viol¡¦cia f¡¦ica - em casa e nas ruas - como meio de impor a submiss¡¦ por parte das mulheres.
Nos ¡¦timos anos, tem havido esfor¡¦s, por parte de alguns estados da ¡¦ia, no sentido de exercer press¡¦ para que haja o reconhecimento do relativismo cultural na aplicação das normas de direitos humanos, tendo como base, em parte, a diversidade religiosa. Muitos ¡¦g¡¦s da ONU, especialmente a Confer¡¦cia Mundial dos Direitos Humanos, que se reuniu em Viena em 1993, reafirmaram a universalidade dos direitos acima de tudo. Eles reconheceram que a diversidade (religiosa e cultural) deve ser levada em consideração, enfatizaram o fato de que, de qualquer forma, o estado tem o dever de impor o respeito aos direitos humanos.
Interconex¡¦ dos Abusos
Os relatores especiais da ONU chegaram ?conclus¡¦ de que a intoler¡¦cia religiosa e os abusos dos direitos humanos s¡¦, em geral, manifestados em conjunto com outros abusos dos direitos humanos. O inter-relacionamento dos direitos humanos se torna ¡¦vio, acima de tudo, quando se examina os casos de intoler¡¦cia religiosa.
Elizabeth Odio Benito, da Costa Rica (uma relatora especial, que atualmente ?a segunda vice-presidente do seu pa¡¦) argumentou que a bondade e a devoção de um grupo ou l¡¦er religioso podem encobrir outros preconceitos que nada tem a ver com a religi¡¦. A hostilidade pode refletir fatores hist¡¦icos, culturais, ou f¡¦icos. No entanto os ensinamentos da religi¡¦ podem ser distorcidos para ignorar ou relevar o preconceito. Existem muitas causas para a perseguição religiosa. Essas causas variam desde a ignor¡¦cia, certos conflitos e a aus¡¦cia de contato e di¡¦ogo, at?a luta pelo poder.
Para combater a intoler¡¦cia religiosa, ?preciso que se tenha um arsenal amplo e variado: normas, monitores, relat¡¦ios p¡¦licos, di¡¦ogo, tribunais atuantes que possam garantir a atribuição de responsabilidade e a justi¡¦ para os que cometem tais atos, e a atenção das pr¡¦rias organizações n¡¦-governamentais. Ren?Cassin, uma das pessoas encarregadas da redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, declarou certa vez que a inclus¡¦ da liberdade de religi¡¦ no documento ocorreu, em grande parte, devido ¡¦ id¡¦as, aos talentos e ?persist¡¦cia das organizações n¡¦-governamentais, especialmente as religiosas.
Para impedir os atos de intoler¡¦cia religiosa, essas e outras organizações ter¡¦ que encorajar os investigadores da ONU, e outros, para que eles prestem mais atenção ¡¦ violações da liberdade de religi¡¦ ou cren¡¦, e ?perseguição dos membros praticantes das religi¡¦s, que continua a ocorrer ao nosso redor, em tantos lugares, nos dias de hoje.
As principais religi¡¦s do mundo, sem exceção, t¡¦ se esfor¡¦do para promover a id¡¦a da dignidade do indiv¡¦uo, do seu acesso aos direitos que s¡¦ universais e fundamentais.
Baha'i
A gra¡¦ das religi¡¦s Divinas resulta em benef¡¦ios universais, pois elas levam os seus reais seguidores a ter a sinceridade da intenção, os objetivos elevados, a pureza e a honra sem ja¡¦, a bondade e compaix¡¦ superiores, a manutenção dos acordos que forem celebrados, a preocupação com os direitos dos outros, a liberalidade, a justi¡¦ em todos os aspectos da vida, a humanidade e a filantropia, a coragem e os esfor¡¦s incessantes a servi¡¦ da humanidade.
Abdu l-Baha, O Segredo da Civilização Divina  
Budismo
No entanto, a pr¡¦ria vida ?o mais precioso de todos os tesouros. Nem mesmo os tesouros de todo o universo se comparam ao valor de uma ¡¦ica vida humana.
NICHIREN, aproximadamente 1270 d. C.  
Cristianismo
Porque v¡¦, irm¡¦s, fostes chamados ?liberdade. N¡¦ useis ent¡¦ da liberdade para dar ocasi¡¦ ?carne, mas servi-vos uns dos outros pela caridade. Porque toda a lei se cumpre numa s?palavra, nesta: "Amar¡¦ ao teu pr¡¦imo como a ti mesmo." Se v¡¦, por¡¦, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede n¡¦ vos consumais tamb¡¦ uns aos outros.
A B¡¦LIA, G¡¦atas 5: 13-15  
Hindu¡¦mo
Que os membros da nossa sociedade tenham objetivos similares. Que os nossos corações sejam cheios de amor m¡¦uo, e que n¡¦ possamos ser unidos em um pensamento. Que os esfor¡¦s individuais sejam combinados para que possamos alcan¡¦r o nosso objetivo comum.
MANTRAS VAIDIKA, RIGVEDA, mandala 10, hino 191, mantra 4  
Islamismo
?humanidade: N¡¦ [Deus] os criamos a partir de um ¡¦ico par de macho e f¡¦ea e os transformamos em nações e tribos, para que voc¡¦ pudessem se conhecer e se estimar mutuamente, em vez de se desprezar mutuamente; na verdade, os mais honrados, entre voc¡¦, perante Deus, s¡¦ os mais justos.
ALCOR¡¦, Sura 49:13  
Juda¡¦mo
A preservação de uma ¡¦ica vida ?t¡¦ importante quanto a preservação de um mundo inteiro, e a destruição da vida de qualquer pessoa ?t¡¦ grave quanto a destruição de um mundo inteiro.
TALMUDE, Sanedrim 4:5  
Sikhism
Na moradia do ventre, n¡¦ existe genealogia nem status social. Todos n¡¦ viemos da Semente de Deus.
Guru Granth Sahib, Escrituras Siques, p¡¦. 353  
Quest¡¦s de Democracia
Uma revista eletr¡¦ica da USIA
Vol. 3, N.?3, Outubro de 1998