SISTEMAS DE DIREITO COMUM X SISTEMAS DE DIREITO CIVILJuiz Peter J. Messitte
Atualmente, os dois principais sistemas legais, no mundo, s¡¦ os de direito civil e de direito comum. A Europa Continental, a Am¡¦ica Latina, a maior parte da ¡¦rica e muitos pa¡¦es da Europa Central e da ¡¦ia, fazem parte do sistema de direito civil; os Estados Unidos, al¡¦ da Inglaterra e outros pa¡¦es que, no passado, faziam parte do Imp¡¦io Brit¡¦ico, pertencem ao sistema de direito comum. O sistema de direito civil tem suas origens no antigo direito romano, que foi atualizado no s¡¦ulo VI da era crist?pelo imperador Justiniano, e adaptado posteriormente por juristas franceses e alem¡¦s. O sistema de direito comum come¡¦u a se desenvolver na Inglaterra h?quase mil anos. Quando o parlamento da Inglaterra foi fundado, seus ju¡¦es reais j?tinham come¡¦do a basear suas decis¡¦s no direito costumeiro, "comum" no reino. Um volume de decis¡¦s foi se acumulando. Advogados competentes auxiliavam no processo. No continente europeu, os livros de direito de Justiniano, ressuscitados, e o sistema legal da igreja cat¡¦ica, desempenhavam pap¡¦s importantes na tarefa de harmonizar milhares de leis locais. A Inglaterra, que estava envolvida no processo da construção do seu pr¡¦rio - e flex¡¦el - sistema legal, foi menos influenciada por essas fontes. Ela nunca compartilhou do sentimento que emanava da Revolução Francesa, segundo o qual o poder dos ju¡¦es devia ser coibido, de que eles deveriam se limitar a aplicar a lei imposta pelo poder legislativo. Dessa forma, os colonos brit¡¦icos na Am¡¦ica traziam consigo essa tradição. Na verdade, segundo uma das reivindicações relacionadas na Declaração de Independ¡¦cia dos Estados Unidos, o rei da Inglaterra havia usurpado dos colonizadores os direitos que eles teriam como ingleses; ele havia colocado os ju¡¦es coloniais "inteiramente ?merc?da sua vontade para o exerc¡¦io das suas funções"; ele havia negado ao povo "os benef¡¦ios do julgamento por j¡¦i". Ap¡¦ a Revolução Americana, o direito comum ingl¡¦ foi adotado com entusiasmo pelos estados americanos que haviam acabado de conquistar a independ¡¦cia. Nos mais de 200 anos decorridos desde ent¡¦, o direito comum nos Estados Unidos passou por muitas mudan¡¦s -- econ¡¦icas, pol¡¦icas e sociais -- e se tornou um sistema not¡¦el, tanto em função das suas t¡¦nicas quanto do seu estilo de decis¡¦s judiciais. Como o sistema de direito comum, nos Estados Unidos, se compara ao sistema de direito civil? A Lei "Feita pelo Juiz" Freq¡¦ntemente se diz que o sistema de direito comum consiste de "leis feitas pelo juiz", enquanto o sistema de direito civil ?composto por c¡¦igos escritos. De modo geral, a lei nos Estados Unidos, atualmente, ?"feita" pelo poder legislativo. No entanto, at?certo ponto, a analogia da "lei feita pelo juiz" corresponde ?realidade. Historicamente, a maior parte das leis do sistema americano de direito comum foram criadas por decis¡¦s judiciais, especialmente em ¡¦eas importantes, como a lei da propriedade, contratos e danos -- que nos pa¡¦es que adotam o direito civil, seriam chamados de "delitos privados". Os pa¡¦es que adotam o direito civil, por outro lado, adotaram c¡¦igos civis abrangentes, que cobrem quest¡¦s como pessoas, coisas, obrigações e heran¡¦s, bem como c¡¦igos penais, c¡¦igos de procedimentos e c¡¦igos cobrindo quest¡¦s como o direito comercial. Mas seria incorreto dizer que o direito comum consiste de leis n¡¦ escritas. As decis¡¦s jur¡¦icas que t¡¦ interpretado a lei foram, na verdade, escritas, e sempre estiveram dispon¡¦eis. Desde os prim¡¦dios da hist¡¦ia -- a Magna Carta ?um bom exemplo -- existe "legislação", o que nos sistemas de direito civil seria chamado de "leis promulgadas". Nos Estados Unidos, isso inclui constituições (tanto a federal quanto as estaduais) bem como outorgas por parte do Congresso e dos legislativos estaduais. Al¡¦ disso, tanto no n¡¦el federal quanto estadual, muitas leis t¡¦ sido codificadas. No n¡¦el federal, por exemplo, existe um c¡¦igo tribut¡¦io. Os legislativos estaduais adotaram c¡¦igos uniformes em ¡¦eas como o direito penal e o direito comercial. H?tamb¡¦ normas comuns referentes aos procedimentos civis e criminais que, embora geralmente sejam adotados pelos tribunais superiores dos sistemas federal e estadual, s¡¦ ratificados, em ¡¦tima an¡¦ise, pelos legislativos. Al¡¦ disso, deve ser observado que muitos estatutos e normas simplesmente codificam os resultados obtidos pelo direito comum ou jurisprud¡¦cia. As decis¡¦s jur¡¦icas na interpretação de constituições e outorgas do legislativo tamb¡¦ passam a ser, elas pr¡¦rias, fontes de direito, e portanto, a percepção b¡¦ica, de que o sistema americano ?um sistema de leis feitas pelos ju¡¦es, continua v¡¦ida. Por outro lado, nem todas as leis nos pa¡¦es que adotam o direito civil, s¡¦ codificadas, isto ? organizadas formando um documento legal org¡¦ico, abrangente e integral a respeito de um determinado assunto. ¡¦ vezes, estatutos isolados s¡¦ promulgados para lidar com quest¡¦s espec¡¦icas sem serem codificados. Esses estatutos simplesmente existem, al¡¦ dos c¡¦igos civis ou penais do sistema, mais abrangentes. E embora as decis¡¦s dos tribunais hierarquicamente superiores em uma jurisdição de direito civil possam n¡¦ ter for¡¦ de lei em casos sucessivos (como ocorre no sistema de direito comum), a verdade ?que em muitos pa¡¦es onde o direito civil ?adotado, os tribunais de primeira inst¡¦cia tendem a seguir as decis¡¦s dos tribunais hierarquicamente superiores no sistema por causa da sua argumentação persuasiva. No entanto, um juiz, no sistema de direito civil, n¡¦ tem nenhuma obrigação legal em relação ?decis¡¦ anterior de um tribunal superior em um caso id¡¦tico ou similar, e tem inteira liberdade para ignorar, por completo, a decis¡¦. <>BO Conceito de Precedente Nos Estados Unidos, as decis¡¦s jur¡¦icas t¡¦ for¡¦ de lei e devem ser respeitadas pelo p¡¦lico, pelos advogados, e, naturalmente, pelos pr¡¦rios tribunais. Isso ?o que se entende por "conceito de precedente", como diz a express¡¦ em latim "stare decisis" -- "que a decis¡¦ prevale¡¦". As decis¡¦s de um tribunal superior na mesma jurisdição de um tribunal de primeira inst¡¦cia devem ser respeitadas nos mesmos casos ou casos similares decididos pelo tribunal de primeira inst¡¦cia. Esta tradição, herdada, nos Estados Unidos, da Inglaterra, ?baseada em v¡¦ias considerações de pol¡¦ica. Tais considerações incluem a previsibilidade dos resultados, o desejo de tratar, com igualdade, todos os que passarem pelos mesmos problemas legais, ou similares, as vantagens que resultam quando uma quest¡¦ ?decidida, e isso influencia todos os casos subseq¡¦ntes, e o respeito pela sabedoria acumulada dos advogados e ju¡¦es, no passado. Por outro lado, sabe-se que a responsabilidade prim¡¦ia pela elaboração das leis cabe ao poder legislativo; cabe aos ju¡¦es interpretar as leis, podendo, no m¡¦imo, preencher os hiatos nas ocasi¡¦s em que as constituições ou estatutos forem amb¡¦uos ou omissos. Portanto, o conceito de precedente tem limitações importantes. Antes de mais nada, a decis¡¦ de um tribunal somente ter?preced¡¦cia sobre um tribunal de primeira inst¡¦cia se o tribunal respons¡¦el pela decis¡¦ for superior, na mesma linha de autoridade. Por exemplo, uma decis¡¦ da Suprema Corte dos Estados Unidos em uma quest¡¦ de lei federal constitucional ou ordin¡¦ia ter?preced¡¦cia sobre todos os tribunais, em todo o territ¡¦io dos Estados Unidos, porque todos os tribunais s¡¦ inferiores, e est¡¦ na mesma linha de autoridade da Suprema Corte, nessas quest¡¦s. Mas as decis¡¦s de um entre os v¡¦ios Tribunais de Recursos dos Estados Unidos -- os tribunais federais intermedi¡¦ios de apelação -- somente ter¡¦ preced¡¦cia sobre os tribunais federais de primeira inst¡¦cia nas suas respectivas regi¡¦s. As decis¡¦s do supremo tribunal de um estado a respeito do significado de uma lei estadual, na jurisdição desse tribunal, ter?preced¡¦cia em todos os lugares, desde que as decis¡¦s do tribunal estadual n¡¦ entrem em conflito com a lei constitucional ou com a lei estatut¡¦ia federal. Os ju¡¦es americanos tendem a ser muito cuidadosos ao tomarem suas decis¡¦s. De modo geral, eles somente tratam de casos reais ou de controv¡¦sias apresentadas por litigantes cujos interesses est¡¦ sendo, de alguma forma, diretamente afetados. Al¡¦ disso, os ju¡¦es geralmente tomam decis¡¦s sobre os casos quando a margem para interpretação ?a menor poss¡¦el, evitando, por exemplo, quest¡¦s constitucionais quando os casos podem ser encerrados por motivos n¡¦-constitucionais. Nesses casos, tamb¡¦, a "lei" que os ju¡¦es mencionam s?resulta da sua decis¡¦ na medida em que isso ?necess¡¦io para decidir o caso. Qualquer outro pronunciamento sobre a lei ?extra-oficial. Outra limitação importante do conceito de precedente ?que o caso mais recente precisa ser o mesmo ou muito parecido com o anterior. Se os fatos n¡¦ forem id¡¦ticos, ou em grande parte, similares, o tribunal que est?lidando com o caso mais recente poder?distinguir o caso anterior, e n¡¦ ter?nenhuma obrigação de lev?lo em consideração. O tribunal que tiver a posição hier¡¦quica mais alta de uma jurisdição, por exemplo, a Suprema Corte dos Estados Unidos ou um tribunal superior estadual no seu pr¡¦rio estado, pode anular um precedente mesmo quando os fatos do caso mais recente forem id¡¦ticos ou substancialmente similares aos do caso anterior. Em 1954, por exemplo, na famosa integração escolar de Brown contra a Secretaria da Educação, a Suprema Corte dos Estados Unidos anulou uma decis¡¦ an¡¦oga que ela pr¡¦ria havia tomado em 1896. Mas casos assim, de anulação direta, n¡¦ s¡¦ comuns. O que tem maior probabilidade de acontecer ?o seguinte: o tribunal superior, distinguindo os casos posteriores com o tempo, se afastar?de um precedente anterior que tenha se tornado indesej¡¦el. Mas de modo geral, os precedentes mais antigos dos tribunais superiores prevalecem. Uma Lei Organizada Onde se pode encontrar a lei nos Estados Unidos? Pode-se supor que, como tanto as leis promulgadas quanto as decis¡¦s judiciais formam o conjunto das leis, a procura poderia ser dif¡¦il. Mas a tarefa ?relativamente f¡¦il. Embora boa parte da lei americana n¡¦ tenha sido codificada, ela vem sendo sistematizada e organizada por assunto. Enciclop¡¦ias legais e tratados, escritos por ilustres professores e profissionais, relacionam as leis em uma seqüência l¡¦ica, geralmente apresentando, tamb¡¦, uma perspectiva hist¡¦ica. Esses volumes, altamente respeitados, cont¡¦ refer¡¦cias aos princ¡¦ios e ¡¦ normas espec¡¦icas da lei, em um determinado ramo do direito, bem como citações de estatutos e decis¡¦s jur¡¦icas relevantes. A tarefa de acessar estatutos em "livros de c¡¦igo" e casos em volumes encadernados conhecidos como autos de processo, e, hoje em dia, acessar os dois tipos de publicações por meio de um computador, ?relativamente simples. Mas devemos observar que, no sistema de direito comum, os autores dos tratados n¡¦ t¡¦ a mesma import¡¦cia que t¡¦ no sistema de direito civil. Nos pa¡¦es que adotam o direito civil, essas autoridades freq¡¦ntemente s¡¦ consideradas fontes das leis; as pessoas contam com elas para o desenvolvimento da doutrina referente a um determinado assunto. Suas observações s¡¦ muito respeitadas pelos ju¡¦es do direito civil. Nos Estados Unidos, no entanto, a doutrina desenvolvida pelos autores dos tratados n¡¦ possui for¡¦ de lei, embora ela possa ser citada devido ao seu poder de persuas¡¦. Direito Comum versus Direito Civil Al¡¦ dessas caracter¡¦ticas, h?v¡¦ias instituições associadas ao sistema de direito comum, que geralmente n¡¦ s¡¦ encontradas nos sistemas de direito civil. A principal dessas caracter¡¦ticas ?o j¡¦i, que, por opção dos litigantes, age tanto nos casos civis quanto criminais. O j¡¦i ?um grupo de cidad¡¦s - geralmente composto de 12 pessoas - que s¡¦ convocados ao acaso, para determinar os fatos em um processo. Quando ?realizado um julgamento pelo tribunal do j¡¦i, o juiz orienta o j¡¦i a respeito da lei, mas cabe ao j¡¦i decidir os fatos. Isso significa que cidad¡¦s comuns decidir¡¦ qual das duas partes prevalecer? em um caso civil, e, em um caso criminal, se o acusado ?culpado ou inocente das acusações feitas contra ele ou ela. A instituição do j¡¦i teve um importante papel na formação do direito comum. Como os jurados s¡¦ convocados para uma atividade tempor¡¦ia, para resolver quest¡¦s de fato, os julgamentos, no sistema de direito comum, s¡¦, geralmente, eventos concentrados, e ¡¦ vezes duram poucos dias (embora, ¡¦ vezes, eles possam demorar semanas ou meses). As atenções se concentram nos depoimentos orais das testemunhas, embora documentos tamb¡¦ sejam apresentados como provas. Os advogados s¡¦ respons¡¦eis pela preparação do caso; o juiz n¡¦ investiga o caso antes do julgamento. Os advogados, agindo como advers¡¦ios, tomam a iniciativa, interrogando as testemunhas durante o julgamento, enquanto o juiz age, basicamente, como um ¡¦bitro. Os depoimentos s¡¦ registrados, palavra por palavra, por um relator de casos, ou eletronicamente. O tribunal de primeira inst¡¦cia (isto ? onde o caso ?apresentado pela primeira vez), no sistema americano, ?o local onde o registro de fato, do caso, ?feito. De modo geral, os tribunais de recursos limitam sua revis¡¦ dos registros dos tribunais de primeira inst¡¦cia aos erros legais, e n¡¦ de fato. Novas provas n¡¦ s¡¦ recebidas no recurso. Tudo isso ?muito diferente do que geralmente se v?nos sistemas de direito civil, onde os julgamentos pelo j¡¦i s¡¦, de modo geral, desconhecidos. Em um determinado caso, em vez de um ¡¦ico e cont¡¦uo julgamento, uma s¡¦ie de audi¡¦cias no tribunal podem ser realizadas no decorrer de um per¡¦do prolongado. Documentos t¡¦ um papel mais importante do que os depoimentos das testemunhas. O juiz investiga, ativamente, o caso, e tamb¡¦ interroga as testemunhas. Em vez de um registro dos trabalhos, palavra por palavra, as notas e conclus¡¦s do juiz formam o registro do que aconteceu. ?poss¡¦el recorrer tanto no que se refere aos fatos quanto ?lei. O tribunal de recursos pode abrir os registros, e ¡¦ vezes o faz, para receber novas provas. Apesar das suas diferen¡¦s, os dois sistemas - de direito comum e civil - t¡¦ como objetivo a determinação justa, r¡¦ida e econ¡¦ica, das disputas. Os tribunais dos Estados Unidos t¡¦ se revelado particularmente atentos, nos ¡¦timos anos, ?necessidade de reavaliar continuamente os seus processos, para melhorar a qualidade da justi¡¦. Como conseqüência desses esfor¡¦s, h?muitos outros aspectos das atividades nos tribunais dos Estados Unidos. Essas atividades abrangem desde os mecanismos alternativos de resolução de disputas (incluindo arbitragem e mediação) at?dispositivos dos procedimentos como julgamento ?revelia e julgamento sum¡¦io, usados pelos ju¡¦es para decidir casos nos est¡¦ios iniciais, sem ter que passar por um julgamento formal.
Clique aqui para ter acesso ao conceito de revis¡¦ jur¡¦ica.
Ao come¡¦ da p¡¦ina | Indice, Quest¡¦s de Democracia -- Setembro de 1999 | USIS Revistas electr¡¦icas | USIS Home Page
|