AS PRINCIPAIS DISTINÇÕES NO SISTEMA DOS TRIBUNAIS DOS ESTADOS UNIDOSE. Osborne Ayscue, Jr.
Houve um julgamento que dominou as manchetes durante meses, n¡¦ apenas nos Estados Unidos, mas tamb¡¦ no resto do mundo -- o caso do estado da Calif¡¦nia contra o famoso atleta O. J. Simpson, acusado de homic¡¦io em primeiro grau. Os americanos ficaram fascinados; milh¡¦s de pessoas no pa¡¦ inteiro ligavam seus televisores para assistir ?cobertura di¡¦ia. Mas os telespectadores de outros pa¡¦es, freq¡¦ntemente, ficavam confusos. Por que Simpson foi processado em um tribunal estadual, em vez de federal? Por que o r¡¦ n¡¦ precisou depor? E por que, ap¡¦ ter sido considerado inocente, ele foi julgado novamente em um julgamento civil, no qual teve que depor? Isso n¡¦ ?o que se chama de risco duplo? As respostas a essas perguntas est¡¦ na complexidade do sistema jur¡¦ico americano e do seu sistema paralelo de tribunais federais e estaduais. A Constituição dos Estados Unidos atribui poderes espec¡¦icos, incluindo certos poderes legislativos, ao governo federal, reservando todos os demais poderes aos estados. Portanto, existem tribunais federais para os processos referentes ¡¦ violações das leis federais, e tribunais estaduais para os processos referentes ¡¦ violações das leis estaduais. Os crimes, na sua maioria, s¡¦ violações das leis estaduais. Mesmo o grave crime de assassinato, na maioria dos casos, ?uma violação da legislação estadual nos Estados Unidos. ?por isso que O. J. Simpson foi processado pelo estado da Calif¡¦nia, onde o crime ocorreu, e n¡¦ pelos tribunais federais. Simpson n¡¦ foi obrigado a depor no seu julgamento por homic¡¦io porque ele tinha o direito constitucional de n¡¦ depor, a n¡¦ ser que ele optasse por faz?lo. Na verdade, os r¡¦s nos Estados Unidos t¡¦ muitos direitos que emanam da pr¡¦ria Constituição, ao serem processados em tribunais federais ou estaduais. Simpson, por exemplo, teria tido o mesmo direito de n¡¦ depor contra si mesmo em um julgamento criminal federal, por exemplo. Mas como Simpson pode ser julgado duas vezes -- uma vez em um julgamento criminal no qual ele n¡¦ foi considerado culpado dos assassinatos da sua esposa, Nicole Simpson, e do amigo dela, Ron Goldman -- e novamente em um julgamento civil no qual ele foi responsabilizado pelas mortes dessas duas pessoas e teve que indenizar os autores da ação? A resposta ?que os sistemas de julgamentos criminais e civis nos Estados Unidos s¡¦ totalmente separados, com punições diferentes impostas e normas de procedimento diferentes. No julgamento civil de Simpson, o r¡¦ era obrigado a depor e o padr¡¦ de provas exigido era inferior. No caso civil, em vez de culpa acima de qualquer d¡¦ida, o j¡¦i s?precisava encontrar preponder¡¦cia de provas que indicassem a culpa de Simpson. O r¡¦ tem menos direitos nos procedimentos de um julgamento civil, no qual o resultado, freq¡¦ntemente, se limita ?exig¡¦cia do pagamento de uma quantia. Julgamentos Civis vs. Criminais As normas para os julgamentos civis, em relação ¡¦ normas para os julgamentos criminais, variam um pouco nos sistemas federal e estadual, mas s¡¦ similares na maioria dos aspectos, porque, em conformidade com a Constituição, em todos os julgamentos, certos direitos espec¡¦icos devem ser concedidos aos r¡¦s, e porque as normas a respeito das provas s¡¦, em geral, as mesmas para os dois tipos de julgamento. Mas h?diferen¡¦s importantes em termos de procedimentos, entre os julgamentos civis e criminais:
Uma boa parte da imagem dos julgamentos criminais nos Estados Unidos, perante o mundo, ?criada por filmes de televis¡¦ produzidos em Hollywood -- de "Perry Mason", que quase sempre conseguia a absolvição dos seus clientes, at?"L.A. Law". Esses filmes n¡¦ refletem necessariamente, de maneira precisa, a estrutura b¡¦ica de um tribunal americano em um julgamento criminal. Na verdade, os julgamentos criminais nos Estados Unidos raramente s¡¦ t¡¦ dram¡¦icos quanto os filmes mostram, e freq¡¦ntemente s¡¦ mais ma¡¦ntes e lentos. O juiz ?quem administra o julgamento; ele ?o ¡¦bitro final da legislação aplic¡¦el. O j¡¦i determina se a acusação apresentou provas suficientes para condenar o r¡¦ acima de qualquer d¡¦ida. As equipes de acusação e defesa apresentam o seu caso, de acordo com as normas, em um sistema de oposição. O que freq¡¦ntemente causa admiração, entre os observadores estrangeiros, ?a grande quantidade de direitos que um r¡¦, que cometeu um crime, tem, a partir do momento em que ele - ou ela - ?acusado de um crime. Isso ?conhecido, nos Estados Unidos, como "o devido processo legal". Esses direitos incluem:
Um julgamento criminal come¡¦ com declarações introdut¡¦ias -- primeiro a da acusação, e em seguida, a da defesa. Em seguida, a acusação apresenta as suas provas e testemunhas, que s¡¦ submetidas a um interrogat¡¦io da defesa. O tribunal -- na pr¡¦ica, o juiz -- pode dar o caso por encerrado neste ponto se ele acreditar que as provas n¡¦ provam que o r¡¦ cometeu o crime. Em seguida, a defesa tem a oportunidade de apresentar as suas provas e testemunhas. Depois que o caso da defesa tiver sido apresentado, a acusação pode apresentar as suas provas que refutem as provas da defesa. Assim como ocorre em um julgamento civil, o juiz supervisiona os procedimentos e toma decis¡¦s quanto ¡¦ disputas sobre a admissibilidade das provas. O julgamento termina com as observações finais de ambos os lados e com a deliberação do j¡¦i, de acordo com as instruções do juiz. ?necess¡¦io que o j¡¦i considere o r¡¦ culpado - ou inocente - de cada uma das acusações. Se, de acordo com o veredicto, ele for inocente, os trabalhos s¡¦ conclu¡¦os e o r¡¦ est?livre. No caso de um r¡¦ que ?considerado culpado ou que se declara culpado, o que torna o julgamento desnecess¡¦io, tem in¡¦io a fase da determinação da senten¡¦, exceto nos casos de pena de morte, nos quais os j¡¦i tem que decidir entre a morte e uma pena menor. O processo de determinação da senten¡¦ inclui uma investigação que antecede a senten¡¦ e a preparação de um relat¡¦io sobre todas as quest¡¦s relativas ?senten¡¦ do r¡¦. O r¡¦ pode examinar e comentar esse relat¡¦io. Al¡¦ disso, o r¡¦ tem o direito de ter um advogado na audi¡¦cia em que lhe ser?comunicada a sua senten¡¦. Em seguida o tribunal emite uma ordem, especificando a punição que ser?imposta ao r¡¦ e a maneira pela qual essa punição dever?ser executada. O juiz imp¡¦ a senten¡¦ em conformidade com quaisquer normas referentes ¡¦ senten¡¦s que possam ter sido determinadas pela lei. Um fato significativo ?que todos os r¡¦s de julgamentos criminais t¡¦ o direito de entrar com recursos junto a um tribunal de inst¡¦cia superior, incluindo, em alguns casos, at?a Suprema Corte dos Estados Unidos. O veredicto de um julgamento pode ser anulado, caso tenham ocorrido erros jur¡¦icos, ou se os direitos de um r¡¦ tiverem sido violados. O processo de apelação faz parte integrante do sistema jur¡¦ico dos Estados Unidos. Muitos r¡¦s tiveram suas senten¡¦s anuladas ou reduzidas pelos tribunais de recursos. Um dos mais famosos exemplos de anulação de uma senten¡¦ devido a um recurso ?o caso do Dr. Sam Sheppard que, em 1954, foi acusado de ter assassinado a pr¡¦ria esposa. Os recursos iniciais de Sheppard, incluindo um que foi encaminhado ?Suprema Corte, foram indeferidos. Mas em 1966, a Suprema Corte anulou o veredicto e determinou que Sheppard tinha direito a um novo julgamento. Posteriormente, no mesmo ano, ele foi absolvido por um novo j¡¦i. O caso de Sheppard ficou muito famoso na ¡¦oca e se tornou ainda mais conhecido ao servir de tema para "O Fugitivo", um seriado de televis¡¦ da d¡¦ada de 1960 que ficou no ar muito tempo. Mas r¡¦s menos famosos tamb¡¦ conseguiram ser julgados novamente, ou conseguiram que seus veredictos fossem anulados como resultado do processo de recursos. Um Julgamento Civil, Passo a Passo Nos julgamentos civis, um r¡¦ tem muitos, mas n¡¦ todos os direitos que teria em um julgamento criminal. Uma ação civil tem in¡¦io com uma declaração, por escrito, por parte do autor, no qual ele especifica as suas reivindicações. Este documento ?conhecido como "reclamação". Em seguida, o tribunal emite uma intimação, determinando que seja dada uma resposta ?reclamação dentro de um prazo espec¡¦ico ap¡¦ a data em que o r¡¦ a receber. O r¡¦ ?obrigado a admitir ou negar cada uma das alegações, e apresenta sua defesa. Ele pode, tamb¡¦, apresentar reclamações contra o autor, um co-r¡¦ ou uma pessoa que, originalmente, n¡¦ estava inclu¡¦a no caso. Ele tamb¡¦ pode requerer a anulação da ação, alegando que o autor n¡¦ est?apresentando uma reclamação v¡¦ida. Ele pode tamb¡¦ pedir ao tribunal que anule a ação, alegando n¡¦ possuir jurisdição sobre a quest¡¦ ou sobre o pr¡¦rio r¡¦. Ele pode tamb¡¦ sugerir que o autor entrou com a ação no tribunal errado ou que o r¡¦ n¡¦ foi devidamente notificado do caso em quest¡¦. A pr¡¦ima fase ?um amplo "processo de averiguação", que, normalmente, n¡¦ envolve o tribunal. Uma parte que estiver procurando fazer averiguações, no entanto, pede ajuda do tribunal para obrigar um advers¡¦io relutante, ou outra pessoa, a fornecer informações. Da mesma forma, uma parte que estiver sendo alvo de uma averiguação que n¡¦ seja razo¡¦el, pode solicitar a proteção do tribunal. A averiguação pode incluir: perguntas por escrito, a serem respondidas sob julgamento; depoimento oral sob juramento; solicitação de documentos pertinentes; avaliação psicol¡¦ica e f¡¦ica, nos casos em que se alega ter ocorrido les¡¦; e solicitações para que sejam admitidos fatos sobre os quais n¡¦ h?disputa. Antes do julgamento, qualquer uma das partes pode requerer julgamento sum¡¦io de qualquer caso para o qual as provas n¡¦ constituem respaldo. Se o caso tiver continuidade e for a julgamento, o tribunal pode entrar com uma ordem que precede o julgamento, definindo as quest¡¦s a serem decididas pelo julgamento e estabelecendo outras disposições para que ele seja realizado rapidamente. Os casos civis ¡¦ vezes envolvem crimes graves, como ocorreu no caso de Simpson. Freq¡¦ntemente, contudo, eles tratam de delitos n¡¦ t¡¦ s¡¦ios, tais como disputas entre senhorios e inquilinos. Em alguns casos, terceiros s¡¦ processados. Por exemplo, no caso de um recente tiroteio em Atlanta, Ge¡¦gia, no qual o suposto atirador morreu, um parente de uma das v¡¦imas processou a empresa de investimentos onde os disparos foram efetuados, os propriet¡¦ios do pr¡¦io, a empresa respons¡¦el pela seguran¡¦ no local e o esp¡¦io do atirador. As ações civis normalmente s¡¦ julgadas em um tribunal aberto ao p¡¦lico, perante um juiz e um j¡¦i de seis a 12 jurados escolhidos ao acaso, a n¡¦ ser que as partes concordem que o julgamento seja conduzido somente por um juiz. Assim como ocorre em um juramento criminal, as partes t¡¦ o direito de desqualificar certos jurados. O juiz administra os trabalhos do julgamento e declara a lei aplic¡¦el. Ap¡¦ as declarações iniciais, o autor, que tem o ¡¦us da prova, apresenta as suas provas. Se as provas n¡¦ proporcionarem respaldo ?reclamação, o caso ?encerrado nesse momento. Se as provas forem consideradas suficientes, o r¡¦ apresenta o seu caso. Depois que ambos os lados apresentarem suas provas, o juiz pode indeferir qualquer uma ou todas as reclamações para as quais n¡¦ h?respaldo. Nesse ponto, cada uma das partes pode fazer uma declaração de encerramento, e em seguida o juiz explica a lei ao j¡¦i. Se o caso for encaminhado ao j¡¦i, este, por si s? dever?decidir quais s¡¦ os fatos e dever? em função disso, chegar a uma conclus¡¦ sobre o caso. Veredictos determinados pela maioria do j¡¦i, no entanto, s¡¦ permitidos com mais freqüência em julgamentos civis do que em julgamentos criminais. Em um caso que vai a julgamento sem um j¡¦i, quem toma uma decis¡¦ sobre o caso ?o juiz. As penalidades civis geralmente envolvem valores muito inferiores aos valores das penalidades impostas nos julgamentos criminais. No julgamento civil de Simpson, por exemplo, um veredicto de 8,5 milh¡¦s de d¡¦ares foi imposto ao r¡¦. Embora essa imposição possa parecer severa, ela ?consideravelmente menos punitiva do que a senten¡¦ de pris¡¦ perp¡¦ua que Simpson teria de enfrentar se tivesse sido considerado culpado no julgamento criminal. Simpson foi condenado por unanimidade no caso civil, mas em conformidade com a legislação da Calif¡¦nia, ele poderia ter sido condenado por m?decis¡¦ de 9 a 3. No julgamento criminal, no entanto, um veredicto por unanimidade era necess¡¦io. Al¡¦ de indenizações, as penalidades civis podem incluir ordens para que uma parte fa¡¦ ou deixe de fazer alguma coisa, ou alguma outra ação compensat¡¦ia. O juiz pode determinar que a parte que perdeu arque com as custas do processo. Esses custos s¡¦ simb¡¦icos e geralmente n¡¦ incluem os honor¡¦ios advocat¡¦ios. Assim como ocorrem nos casos criminais, a parte que perde tem o direito de recorrer da decis¡¦. Conclus¡¦ O sistema de tribunais dos Estados Unidos pode parecer complicado demais para alguns observadores estrangeiros. Trata-se de um sistema de confronto baseado em um julgamento por j¡¦i, que certamente n¡¦ ?perfeito. Mas ele tem a vantagem de ser independente do governo. Nenhum cidad¡¦, nos Estados Unidos, vai para a cadeia porque o governo quer. Essa decis¡¦ ?tomada por um j¡¦i formado por pessoas da comunidade -- seus concidad¡¦s -- que tomam uma decis¡¦ sobre o caso, tendo como base normas imparciais sobre provas que tem como objetivo, na medida do poss¡¦el, assegurar que somente os culpados sejam condenados e punidos.
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