Joshua Muravchik
Membro do Corpo Docente do American Enterprise Institute
Observando que os membros da OTAN desfrutam de liberdade, prosperidade, e segurança, Muravchik argumenta que a OTAN "está em condições de estabelecer normas que podem ter profundo impacto" sobre os novos membros e sobre outras nações que queiram se tornar membros. "Embora as obrigações de defesa mútua da OTAN estejam no cerne da aliança e lhe proporcionem respeitabilidade e prestígio," ele afirma, "esse efeito psicológico sobre a evolução política e econômica da Europa pode acabar se tornando a sua função mais importante." Muravchik é membro do corpo docente do American Enterprise Institute e é também professor adjunto no Washington Institute on Near East Policy (Instituto de Política do Oriente Próximo, de Washington); ele tem uma função similar no Institute of World Politics (Instituto de Política Mundial). Além disso, ele faz parte dos conselhos editoriais de World Affairs (Questões Mundiais), do Journal of Democracy, (Revista da Democracia),e Orbis)..
Quando o Senado dos Estados Unidos, em 1949, ratificou o Tratado do Atlântico Norte, documento por meio do qual a OTAN foi criada, o debate se concentrou, em grande parte, na fraqueza militar dos aliados em potencial da América.
Os estados europeus mal haviam começado a se recuperar da devastação causada pela Segunda Guerra Mundial. Eles tinham pouca coisa a oferecer, no que se referia à tarefa de defesa mútua, a não ser que os Estados Unidos se responsabilizassem pela despesa de rearmá-los - o que muitos senadores - que na época estavam preocupados com o orçamento, o que acontece hoje também - não queriam assumir. As respostas a essas preocupações foram apresentadas de maneira extremamente eficaz pelo famoso estrategista militar Bernard Brodie, em um artigo que se parece muito com o debate atual sobre a expansão da OTAN.
Na edição de dezembro de 1949 de "Yale Review", Brodie reconhecia que "a curto prazo, o Pacto do Atlântico Norte representa um risco para nós sob o ponto de vista militar e de recursos. No momento não há força na Europa Ocidental que seja capaz de enfrentar os exércitos soviéticos." Sob o ponto de vista militar, ele reconhecia que "houve um certo abandono generoso na maneira pela qual convidamos nações para participar do grupo, com pouca consideração pelo seu tamanho, ou poder, ou condição de risco." No entanto, ele considerava o pacto um bom negócio para os Estados Unidos por que "as considerações militares eram de importância secundária."
Como isso era possível? O pacto foi inspirado na ameaça da agressão soviética. Brodie levava essa ameaça a sério, mas argumentava que "as formas não militares de agressão," em outras palavras, a subversão, eram os meios mais prováveis pelos quais o império soviético poderia se expandir na Europa Ocidental. A chave para impedir a penetração soviética, em qualquer forma em que ela se apresentasse, era a reconstrução das sociedades da Europa Ocidental. "Na medida em que o pacto auxiliar e estimular a recuperação da Europa " dizia Brodie, as maquinações soviéticas "não mais representarão ameaça alguma". Portanto, ela argumentava, "o valor do pacto para os Estados Unidos era político, e não militar...pois somente pala promessa de segurança inerente a ele os estados da Europa Ocidental poderiam fazer os esforços necessários à sua salvação social, política, e econômica."
A análise de Brodie foi profética. Sob a proteção da OTAN, as economias da Europa Ocidental foram reconstruídas, assim como os órgãos da sociedade civil e os partidos políticos estáveis. Naturalmente, a OTAN foi somente um fator entre os que contribuíram para o renascimento econômico da Europa; o Plano Marshall contribuiu de maneira mais direta. No decorrer de quatro anos, os Estados Unidos doaram aproximadamente US$13 bilhões em ajuda ao projeto, para incentivar a recuperação econômica após a Segunda Guerra Mundial em certos países europeus. A contribuição dos Estados Unidos seria equivalente a 88 bilhões de dólares atualmente. Embora essa soma tenha sido substancial, a maioria dos historiadores econômicos acredita que os seus resultados diretos foram menos importantes do que o seu impacto psicológico. Em conjunto, a esperança tornada possível pelo Plano Marshall e a segurança proporcionada pela OTAN criaram um clima que energizou os europeus para que os mesmos trabalhassem, economizassem, e investissem até criarem para si mesmos uma prosperidade que nunca haviam experimentado anteriormente.
A América deu muito à Europa, tanto em ajuda econômica quanto em proteção militar, mas também recebeu muito, como retribuição, embora muitas vezes isso não tenha sido percebido pelos americanos. À medida que a Europa prosperava, alguns americanos começaram a considerar a Europa um concorrente, e não um parceiro. Mas essa visão é fruto de uma mentalidade medíocre. Embora empresas européias tenham competido com empresas americanas, a renovada afluência da Europa proporcionou mercados, bens, e capital que alimentou o próprio crescimento econômico contínuo da América.
A recuperação econômica da Europa passou a ser conhecida como um "milagre", mas a sua recuperação política foi ainda mais notável. Hoje, a maioria dos americanos, e talvez a maioria dos europeus, acha natural que haja democracia na Europa Ocidental. Mas antes da Segunda Guerra Mundial, a democracia era uma frágil flor no continente europeu. Na maioria dos países, ela havia sido estabelecida com clareza pouco antes ou pouco depois da Primeira Guerra Mundial, e em seguida havia cedido o seu lugar à ditadura durante as tempestuosas décadas de 30 e 40. Como resultado disso, os observadores mais bem informados passaram a ter sérias dúvidas em relação às perspectivas da democracia fora do âmbito da cultura anglo-saxônica. Essas dúvidas eram muito parecidas com as que se ouve atualmente sobre a democracia nos países em desenvolvimento. Talvez as dúvidas atuais sejam tão infundadas quanto as daquela época.
O grande historiador Arnold Toynbee escreveu, na década de 30, que o repúdio, pela Itália, da "democracia (da maneira pela qual nós usamos, convencionalmente, o termo) fez com que todos questionassem se essa planta política pode, realmente, criar raízes permanentes em qualquer lugar que não seja o seu solo nativo." Uma década mais tarde, o escritor e professor universitário Waldo Frank escreveu em "Foreign Affairs" que "a ameaça [à democracia] sobreviverá a Hitler, pois o fascismo propriamente dito é apenas um produto final das forças antidemocráticas profundamente enraizadas na própria textura do pensamento europeu moderno." E. em 1952, quando a ocupação aliada da Alemanha terminou, o eminente cientista político Heinz Eulau retornou à sua terra natal e relatou, em um tom pessimista: "De tantas maneiras -- apesar do ambiente modificado e do molde diferente -- a República de Bonn parece uma reprise de Weimar...a política alemã...se baseia não na experiência democrática, mas em um profundo emocionalismo."
Esses receios não se materializaram. Ao contrário do que ocorreu no período após a Primeira Guerra Mundial, nas décadas após a Segunda Guerra Mundial, as raízes da democracia se tornaram cada vez mais profundas em toda a Europa Ocidental. Muitos fatores contribuíram para o sucesso político, e a forte influência da OTAN desempenhou um importante papel nessa situação.
A segurança que a OTAN proporcionou foi, em si, um fator, pois o medo das ameaças externas freqüentemente serve de pretexto para que os ditadores em potencial assumam o poder. Além disso, a OTAN criou um espírito de comunidade entre os estados do Atlântico Norte, no qual muitos países, que no passado haviam sido inimigos ferrenhos, se tornaram parceiros. A OTAN não foi a única força que uniu os estados do Atlântico Norte. Havia também a comércio e o turismo, e havia outras instituições. Mas a promessa da defesa mútua, o compromisso que cada um tinha de morrer pelo seu parceiro, formou o núcleo do relacionamento.
Esse relacionamento foi motivado, em parte, pelos receios comuns, mas também por uma ética democrática comum, como se pode ver pelas palavras iniciais do tratado do Atlântico Norte: "Os signatários...estão determinados a salvaguardar a liberdade, a herança cultural comum, e a civilização dos seus povos, tendo como base os princípios da democracia, da liberdade individual, e do cumprimento da lei."
A aliança também proporcionou uma estrutura que contribuiu para a socialização dos líderes militares da era posterior à Segunda Guerra Mundial. Isso incluiu a fixação de uma forte crença na supremacia civil. Enquanto, nas décadas de 20 e 30, a derrocada da democracia em muitos países europeus ocorreu devido às ações de oficiais das forças armadas, tais episódios têm sido raros nos países da OTAN. A exceção mais dramática ocorreu na Grécia, onde um golpe militar em 1967 resultou na ausência da democracia durante sete anos. Na Turquia, os militares depuseram governos escolhidos democraticamente em várias ocasiões; no entanto, em todos os casos, as rédeas do poder voltaram às mãos dos civis dentro de um prazo de aproximadamente um ano. Essas ocorrências mostram que a influência da OTAN em nome do poder civil não é toda-poderosa, mas considerando as fissuras nas estruturas políticas da Grécia e da Turquia, parece justo indagarmos se os desvios da democracia nesses países não poderiam ter durado muito mais se eles não fizessem parte integrante da OTAN.
Portugal apresenta uma história similar pela ambigüidade. Apesar da sua ditadura corporativista, o país foi incluído na lista dos membros originais da OTAN por causa da importância estratégica percebida dos Açores. Vinte e cinco anos depois, a sua ditadura foi derrubada e a democracia foi restaurada, em uma seqüência de acontecimentos na qual os oficiais das forças armadas e os aliados de Portugal na OTAN desempenharam papéis fundamentais.
Hoje, a ampliação da OTAN é freqüentemente apresentada como a extensão de um guarda-chuva de segurança à Europa Central, mas como Brodie previu com o grupo original de membros da OTAN, a segurança pode ser menos uma questão de defesa contra ameaças militares do que uma garantia de estabilidade, fortalecendo as instituições democráticas e proporcionando a confiança que leva ao crescimento econômico.
Os oficiais das forças armadas dos países admitidos pela OTAN, e até mesmo aqueles que somente estão na Parceria Para a Paz, receberão uma boa parte do seu treinamento dos seus colegas americanos e europeus ocidentais. Nesse processo, eles absorverão uma forte mensagem de controle civil. E essa influência não será sentida apenas entre os militares. Entrar para a OTAN significa fazer parte do Ocidente, ao qual os valores democráticos são ainda mais intrínsecos do que o McDonald's e a MTV.
A OTAN é um clube de prestígio. Seus membros têm o que todos querem: liberdade, prosperidade, e segurança. Nesse contexto, ela está em condições de estabelecer normas que podem causar um forte impacto nos novos membros e nos outros estados que desejam se tornar membros ou até mesmo naqueles que só querem ter um bom relacionamento com os membros do clube. Embora as obrigações de defesa mútua da OTAN estejam no cerne da aliança e lhe proporcionem respeitabilidade e prestígio, esse efeito psicológico sobre a evolução política e econômica da Europa pode acabar se tornando a sua função mais importante.
Política Externa dos EUA -- Agenda
Revista Eletrônica da USIA
Vol. 2, N?4, Outubro de 1997