Cheguei a Bruxelas para chefiar a miss¡¦ dos Estados Unidos na OTAN em agosto de 1989. Alguns meses antes, a Alian¡¦ havia comemorado o seu 40o anivers¡¦io. Durante 40 anos, os aliados haviam enfrentado juntos a amea¡¦ do Pacto de Vars¡¦ia e da Uni¡¦ Sovi¡¦ica. Embora as reformas do l¡¦er sovi¡¦ico Mikhail Gorbachev tivessem, certamente, sido consideradas importantes, e a postura pol¡¦ica e militar da OTAN nunca tivesse sido mais forte em relação ao Pacto de Vars¡¦ia, poucos previam que a Guerra Fria, na qual estiv¡¦amos envolvidos durante quatro d¡¦adas, estava prestes a terminar. No entanto, quando voltei aos Estados Unidos, tr¡¦ anos mais tarde, ela estava rapidamente se tornando uma lembran¡¦ distante.
Durante a maior parte do tempo que passei na OTAN, trabalhei para que a Alian¡¦ pudesse cumprir suas funções no ambiente p¡¦-Guerra Fria. N¡¦ terminamos esse trabalho at?1992; no entanto, progredimos bastante nesse sentido; o mais importante foi identificar as funções b¡¦icas da Alian¡¦ para o futuro e estabelecer contato com nossos antigos advers¡¦ios para que esses cooperassem conosco dentro da estrutura institucional da OTAN, para proporcionar a seguran¡¦ e a independ¡¦cia para todos os estados europeus.
Muitas pessoas fizeram importantes contribuições para esse trabalho. O trabalho n¡¦ teria sido realizado sem a ajuda de cada uma dessas pessoas. Mesmo estando em excelente companhia, os esfor¡¦s de Manfred Woerner, secret¡¦io-geral da OTAN de 1988 at?sua morte prematura, seis anos depois, se destacam. Tenho o prazer de record?los aqui.
Antes de se tornar secret¡¦io-geral, Manfred havia sido ministro da Defesa da Alemanha, de 1982 a 1988. Nessa posição, a sua clara compreens¡¦ de que o poderio militar era um elemento essencial na preservação da paz e da liberdade face ?amea¡¦ sovi¡¦ica, e o seu incans¡¦el esfor¡¦ para assegurar que tal poderio, conforme necess¡¦io, recebesse, de fato, os devidos recursos aprovados pelo parlamento, tiveram um papel preponderante no sentido de influenciar a Uni¡¦ Sovi¡¦ica, primeiro para que duvidasse, e finalmente, para que desistisse, das suas pol¡¦icas de confronto em relação ao Ocidente. Ao cumprir suas obrigações essenciais, por¡¦ politicamente impopulares, Manfred sempre manteve o seu bom humor. Ele sabia o que estava pensando, e sabia que tinha raz¡¦. Ele tamb¡¦, como diz a express¡¦ grega "conhecia a si mesmo" - seus pontos fortes, seus pontos fracos, sua complexa identidade. Ele era ao mesmo tempo su¡¦io, alem¡¦, europeu, e, indiscutivelmente, um amigo dos Estados Unidos. E ele era cada uma dessas coisas plenamente, n¡¦ vendo necessidade de classificar nenhuma delas e nem de transigir em relação a qualquer uma.
Vou deixar o su¡¦io para o fim. Primeiro, vou falar sobre o alem¡¦.
Em 1988, quando ele se tornou o primeiro secret¡¦io-geral alem¡¦ da OTAN, o significado da escolha era evidente. Isso representava o reconhecimento, e a admiração, por parte dos aliados, das contribuições pol¡¦icas da Alemanha para a Alian¡¦. Durante muitos anos, essas contribuições haviam sido mais hesitantes do que as suas atividades econ¡¦icas e militares. No entanto, Manfred Woerner n¡¦ tinha nada de hesitante, e a sua pol¡¦ica tamb¡¦ n¡¦ tinha nada de simplesmente simb¡¦ico. Ele realmente representava alguma coisa. Os aliados sabiam que o seu novo secret¡¦io-geral poderia real¡¦r a reputação crescente da Alemanha como uma influ¡¦cia importante na determinação das pol¡¦icas das instituições multilaterais das quais ela era um pa¡¦ membro, inclusive, e principalmente, a OTAN. O que eles n¡¦ sabiam era que a unificação da Alemanha dentro da Alian¡¦ seria o item mais importante na agenda da OTAN em 1990 e 1991. Ter um secret¡¦io-geral alem¡¦ naquele momento era uma vantagem inestim¡¦el para o trabalho. O povo da Alemanha Oriental e dos outros "aliados" dos sovi¡¦icos nunca deixaram de perceber que o principal executivo do Pacto de Vars¡¦ia nunca poderia ter sido um alem¡¦.
Ningu¡¦ na sede da OTAN perguntou onde Manfred Woerner estava no dia seguinte ?queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989. Ele s?poderia estar em Berlim, a partir do momento em que soube da not¡¦ia. Dias depois, por um longo tempo ap¡¦ o seu retorno a Bruxelas, seu orgulho e alegria, devido aos eventos pelos quais ele havia trabalhado a vida inteira, eram evidentes. No entanto, apesar de todo o seu entusiasmo, ningu¡¦ pensava com mais clareza ou com mais seriedade do que ele sobre o que precisava ser feito ap¡¦ o colapso da Alemanha Oriental. Ele nunca questionou a unificação. Ele nunca duvidou de que os "laender" (estados) orientais fariam parte da OTAN, da mesma forma que a Bav¡¦ia. E se algumas pessoas se preocupavam, achando que uma Alemanha unificada poderia tender a assumir uma responsabilidade excessiva, o pr¡¦rio Manfred Woerner, o principal executivo da Alian¡¦, os tranq¡¦lizava todos os dias - pela sua integridade e dec¡¦cia no trato com as nações, tanto grandes quanto pequenas - dizendo que isso n¡¦ aconteceria. Ele tinha opini¡¦s, ?claro, e se elas n¡¦ coincidiam, com as suas, voc?ficava sabendo. Mas o seu trabalho era conseguir o consenso, e ele nunca falhava nisso, e nem deixava que as suas pr¡¦rias prefer¡¦cias interferissem com o exerc¡¦io das suas responsabilidades.
No que se referia ?unificação da Alemanha, Manfred nunca poderia ter pensado no assunto, a n¡¦ ser como um alem¡¦, e nunca teria tentado. A for¡¦ dos seus argumentos sempre se originava da ¡¦via veracidade dos seus sentimentos; sua eloqüência chegava ao m¡¦imo quando ele controlava esses sentimentos sem ocult?los. Quando chegou o momento de lidar com o colapso do Pacto de Vars¡¦ia e da Uni¡¦ Sovi¡¦ica, ele assumiu outra identidade: Manfred Woerner, europeu. Foi na condição de europeu que ele estendeu a m¡¦ da amizade ¡¦ nações do leste, convidando-as para se unirem aos aliados, na tarefa de manter a paz e a seguran¡¦ na Europa. Ele era incans¡¦el nesse esfor¡¦; ele realmente acreditava em uma "Europa unida e livre."
No in¡¦io de 1990 e durante os pr¡¦imos dois anos, o itiner¡¦io do secret¡¦io-geral foi tomado por visitas ¡¦ nações do antigo Pacto de Vars¡¦ia. Como resultado dos seus convites pessoais, havia tamb¡¦ um fluxo constante de ministros das relações exteriores e chefes de governo desses pa¡¦es, que visitavam a OTAN. Ele nunca vacilou, ao fazer esse esfor¡¦; ele criou contextos institucionais para a participação desses antigos advers¡¦ios em todos os aspectos da atividade da Alian¡¦. A inclus¡¦ e a flexibilidade eram as suas palavras de ordem: sempre d?um espa¡¦ para as pessoas, de uma forma ou de outra. Sua concepção da Europa nunca foi limitada ao Ocidente, aos ricos, aos crist¡¦s, ou a qualquer coisa menor que a Europa como um todo. Quando ele recebia cada novo visitante, na OTAN, com uma voz alta e um grande sorriso, suas palavras de boas-vindas eram sinceras, e ningu¡¦ podia duvidar da sua satisfação ao ver a Europa se unindo.
Mas at?mesmo a Europa inteira era pequena demais para Manfred Woerner. A Am¡¦ica do Norte - tanto o Canad?quanto os Estados Unidos - sempre esteve em sua mente como um elemento indispens¡¦el para a realização bem sucedida dos seus sonhos como su¡¦io, alem¡¦ e europeu. ?claro que ele nunca poderia ser americano, mas ele estudou os Estados Unidos de uma forma que poucos europeus estudaram, e al¡¦ da sua convicção de que os Estados Unidos deveriam continuar ligados ?Europa, ele tinha genu¡¦o afeto e admiração por esta nação. Ele lia a nossa literatura, viajava e discursava pelo nosso pa¡¦, e regularmente passava as f¡¦ias aqui. Ele chegava at?a acompanhar os nossos esportes nacionais. Ele se alegrava com os nossos sucessos e compartilhava das nossas decepções. Nunca lhe ocorreu, simplesmente, que os europeus "deveriam" ser aliados dos Estados Unidos; ele queria ser um aliado. E al¡¦ disso, Manfred n¡¦ queria apenas que os Estados Unidos fizessem parte da Alian¡¦. Ele queria que o nosso pa¡¦ liderasse a Alian¡¦. Ele nunca se encontrava com o presidente ou com o secret¡¦io de estado sem dizer: "Voc¡¦ devem liderar." Durante uma boa parte do tempo, ?claro, n¡¦ o fizemos, por¡¦, mais de uma vez, eu tive a sensação de que s?est¡¦amos liderando como um cavalo lidera uma carruagem - com Manfred na bol¡¦a, insistindo para que segu¡¦semos em frente.
Finalmente chegamos ao su¡¦io Manfred Woerner. Essa era a sua terra e ele jamais a esqueceu. Freq¡¦ntemente, nos fins de semana, ele viajava de Bruxelas at?a Su¡¦ia. E quando n¡¦ estava l? ele levava consigo a hist¡¦ia da sua terra. Seu entusiasmo, em uma viagem que fizemos juntos a Palermo, era t¡¦ico. Admiramos, naturalmente, os mosaicos normandos, e Manfred passou a manh?inteira aproveitando o sol quente da Sic¡¦ia, deixando de se dedicar ?preparação de um discurso. No entanto ele n¡¦ deixou de se dedicar a uma coisa. Fomos visitar o t¡¦ulo de seu conterr¡¦eo, o su¡¦io Frederico II, da dinastia dos Hohenstaufen, imperador do Sacro Imp¡¦io Romano durante o s¡¦ulo XIII. Manfred depositou um buqu?de flores no t¡¦ulo e lembrou, para n¡¦, com orgulho, as realizações do seu compatriota. As realizações, naturalmente, eram muitas - algumas mereciam mais cr¡¦ito do que outras. A que mais impressionou Manfred foi a capacidade demonstrada por Frederico, quando recebeu ordem do Papa para comandar uma cruzada para reconquistar Jerusal¡¦, de n¡¦ apenas fazer isso, mas tamb¡¦ de se tornar o rei da cidade - tudo isso por meio da diplomacia. Este, Manfred nos disse, sempre foi o m¡¦odo preferido pelos su¡¦ios.
Com a morte prematura de Manfred Woerner, de c¡¦cer, em 1994, a Alemanha, a Europa, e os Estados Unidos perderam um grande estadista e um verdadeiro amigo. Atualmente, a OTAN continua sendo a principal garantia da paz, da liberdade, e da seguran¡¦ na Europa, em grande parte devido ao seu trabalho.
Agenda de Pol¡¦ica Externa dos EUA
Revista Eletr¡¦ica da USIA
Vol. 4, N?1, Mar¡¦ de 1999