OS MENINOS DE SCOTTSBORO E OS DIREITOS FUNDAMENTAISDavid Pitts
Em mar・ de 1931, nove rapazes negros, com idades de 13 a 21 anos, que viajavam em um vag・ de carga aberto atrav・ da ・ea rural de Alabama, foram presos ap・ serem acusados de estuprar duas mulheres brancas (Ruby Bates e Victoria Price), que tamb・ estavam a bordo do trem. O local era Scottsboro, uma pequena e at?ent・ pouco conhecida cidade que estava por dar seu nome ao mais famoso caso de direitos civis da hist・ia norte-americana; uma hist・ia de racismo, estere・ipos e tabus sexuais ocorrida no cora艫o do Sul rigidamente segregado na ・oca. Oito dos nove jovens foram rapidamente condenados e receberam a senten・ de morte. Roy Wright, que tinha apenas 13 anos de idade, foi poupado da pena capital.
A import・cia do caso A hist・ia dos Meninos de Scottsboro ?importante n・ apenas na hist・ia dos direitos civis, mas tamb・ na evolu艫o da legisla艫o constitucional, por ser o caso que levou a uma interpreta艫o mais abrangente da garantia da D・ima-Quarta Emenda de "igual prote艫o com base na lei" e de "processo devido de direito". O caso tamb・ expandiu o escopo da garantia da Sexta Emenda do direito dos r・s a "ter assist・cia de defesa". Especificamente, o caso resultou, por fim, na garantia de defesa adequada para todos os norte-americanos em todos os julgamentos criminais, estaduais ou federais; e na exig・cia de que nenhuma ra・ ou grupo ・nico pode ser exclu・o dos j・is. A Sexta Emenda ?Constitui艫o norte-americana inclui diversos direitos destinados a assegurar que os r・s criminais recebam julgamentos imparciais. Uma disposi艫o importante ?o direito a ser representado por um advogado. Mas, ao longo da maior parte da vida da Rep・lica, o direito ?defesa esteve limitado aos que podiam pagar um advogado e tamb・ confinado aos crimes sob jurisdi艫o federal. Isso mudou com os Meninos de Scottsboro, que foram acusados de viola艫o de legisla艫o estadual, e n・ federal, e que eram t・ pobres que mal podiam sustentar-se, que dir?pagar um advogado para represent?los. Dois advogados foram contratados na ocasi・, mas n・ eram nada apropriados. Um foi um advogado do setor imobili・io de Tennessee que estava b・ado durante o processo. O outro foi um advogado local que n・ participara de julgamentos h?d・adas. A primeira decis・ hist・ica da Suprema Corte Em decis・ hist・ica, no caso de Scottsboro, Powell vs. Alabama (1932), que recebeu esse nome devido a um dos nove r・s, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou que r・s pobres que enfrentassem a pena de morte deveriam receber defesa adequada. A Corte baseou sua decis・, em grande parte, na cl・sula de processo devido da D・ima-Quarta Emenda ?Constitui艫o norte-americana. Ao cancelar as senten・s de morte, a maioria da Corte determinou que a defesa dos Meninos de Scottsboro foi, para dizer o m・imo, inadequada. A decis・ da Suprema Corte afirmou que a defesa era "fundamental" para o processo em casos de tal seriedade, seja em tribunais federais ou estaduais. "Ao reverter as condena苺es", escreve Donald Lively em seu livro "Landmark Supreme Court Decisions", "a Suprema Corte determinou que as complexidades de um julgamento criminal exigem o direito ?presen・ da defesa". Embora Powell vs. Alabama tenha sido decis・ limitada por aplicar-se apenas ?pena capital, especialistas constitucionais observam que teve impacto substancial sobre a jurisprud・cia norte-americana pois, pela primeira vez, estabeleceu-se direito ?defesa para tribunais estaduais, al・ dos federais. Al・ disso, como explica o Dicion・io das Leis Constitucionais dos Estados Unidos, "ela relacionou a cl・sula de defesa da Sexta Emenda aos Estados, atrav・ da cl・sula de processo da D・ima-Quarta Emenda, ainda que (at?esse momento) apenas para casos de pena capital na etapa de julgamento". O significado da decis・ tamb・ foi destacado por Maureen Harrison e Steve Gilbert no seu livro "Landmark Decisions of the United States Supreme Court". "Desde o princ・io", escrevem eles, "nossas constitui苺es e leis nacionais e estaduais dedicaram grande ・fase ・ salvaguardas substantivas e processuais destinadas a assegurar julgamentos justos perante tribunais imparciais em que cada r・ permane・ igual perante a lei". A segunda decis・ hist・ica da Suprema Corte Alabama, entretanto, recusou-se a ceder e processou novamente o caso de Scottsboro, muito embora m・icos que examinaram as mulheres tenham atestado que n・ houve estupro e Ruby Bates tenha recontado sua hist・ia um m・ antes de come・rem os novos julgamentos. As senten・s de morte retornaram para dois dos r・s (Heywood Patterson e Clarence Norris). Segunda decis・ hist・ica da Suprema Corte dos Estados Unidos (Norris vs. Alabama, 1935) novamente cancelou as senten・s de morte, desta vez porque o Alabama proibiu afro-americanos de participarem do j・i. A decis・ un・ime discutiu "a exclus・ geral e invari・el" de negros do j・i e invocou a id・a de que afro-americanos n・ eram qualificados para o servi・, como alguns alegaram, uma "violenta presun艫o". Ao comentar o significado da decis・ de Norris, "The Oxford Guide to U.S. Supreme Court Decisions" afirma que a alta corte defendeu "que a exclus・ sistem・ica de afro-americanos do servi・ no grande j・i e tribunal de j・i negou aos r・s afro-americanos dos tribunais do Estado (de Alabama) a prote艫o igual da lei garantida pela D・ima-Quarta Emenda". A eles foi, de fato, negado julgamento justo por j・i imparcial, escreve James Goodman em seu aclamado livro, "Stories of Scottsboro". "Em parecer un・ime, a Suprema Corte dos Estados Unidos concordou com a defesa que os negros haviam sido arbitr・ia e sistematicamente exclu・os do rol do j・i de Alabama, em viola艫o ?cl・sula de prote艫o igual da D・ima-Quarta Emenda".
Decis・s posteriores da Corte Ap・ a decis・ de Powell vs. Alabama, decis・s subseq・ntes da Suprema Corte fortaleceram o direito ?garantia de defesa. No caso Johnson vs. Zerbst (1936), a mais alta corte da na艫o declarou que todos os r・s que enfrentam acusa苺es de delitos graves em tribunais federais devam receber advogados. Anteriormente (desde 1790), houve casos em que apenas pessoas acusadas de crimes pass・eis com a pena capital em tribunais federais necessitavam receber advogados. Na d・ada de 1940, o direito foi estendido pela Corte para incluir r・s de delitos estaduais graves que enfrentassem acusa苺es estaduais menos s・ias que as enfrentadas pelos Meninos de Scottsboro. Muitas supremas cortes estaduais tamb・ agiram para exigir o fornecimento de defesa, particularmente em casos criminais graves. Em 1963, entretanto, havia ainda sete Estados que n・ exigiam a disponibiliza艫o de advogados para todos os r・s de delitos estaduais graves. A Suprema Corte dos Estados Unidos alinhou todo o pa・ com sua decis・ no caso Gideon vs. Wainwright (1963), aplicando o direito ?defesa da Sexta Emenda a todos os tribunais federais e estaduais em casos de delitos graves. "O direito ?defesa do acusado de um crime pode n・ ser considerado fundamental e essencial em alguns pa・es", declarou o Juiz Hugo Black", "mas o ?no nosso". A decis・ foi o ・ice essencial de uma das mais dram・icas hist・ias da legisla艫o constitucional dos Estados Unidos, descrita em detalhes no livro "Gideon's Trumpet", de 1964. "Gideon ?uma decis・ de import・cia extraordin・ia", afirmam Lee Epstein e Thomas Walker no seu livro amplamente citado, "Constitutional Law for a Changing America". Ela trouxe "representa艫o legal a uma classe de r・s que anteriormente n・ recebia os servi・s de advogado". Decis・s subseq・ntes da Suprema Corte no final da d・ada de 1960 e, especialmente, no in・io da d・ada de 1970, ampliaram o direito universal ?defesa estabelecido em 1963. Em 1972, o Tribunal defendeu que o direito ?defesa aplicava-se n・ apenas aos r・s federais e estaduais acusados de delitos graves, mas a todos os julgamentos de pessoas que pudessem receber senten・ de pris・ se condenados. A na艫o passou por longo caminho desde que nove jovens afro-americanos amedrontados compareceram a um tribunal quente e empoeirado do Alabama na primavera de 1931, para o julgamento das suas vidas. No caso dos Meninos de Scottsboro, entretanto, a Suprema Corte dos Estados Unidos interveio, divulgando uma s・ie de importantes decis・s que aumentaram os direitos fundamentais para todos os norte-americanos e assegurando que seu drama racial particular se tornasse lenda, n・ apenas na hist・ia dos direitos civis, mas tamb・ na longa evolu艫o da jurisprud・cia norte-americana. ?um caso que incitou muita paix・ e debate na d・ada de 1930 e que ainda repercute na nossa pr・ria ・oca, afirmando o princ・io de igual prote艫o perante a lei. __________ Coment・ios ao artigo de Pitts: Em 31 de mar・ de 1931, nove jovens afro-americanos foram condenados em Scottsboro, Alabama, por acusa苺es de haverem violentado duas jovens brancas em um vag・ ferrovi・io de carga. Os m・icos que examinaram as jovens ap・ o alegado crime afirmaram que n・ ocorreu estupro. Apesar dessa evid・cia, oito dos nove meninos foram condenados e sentenciados ?morte pelo tribunal estadual. A Suprema Corte dos Estados Unidos, nos casos Powell vs. Alabama (1932) e Norris vs. Alabama (1935) reverteu as condena苺es e as senten・s de morte obtidas nos tribunais locais; no primeiro caso, porque os r・s n・ receberam defesa adequada e, no segundo caso, porque negros foram exclu・os do j・i. Ainda assim, processos adicionais do caso prosseguiram no Alabama entre 1935 e 1937. Quatro dos r・s foram novamente condenados e sentenciados a longos per・dos de pris・. As acusa苺es contra os cinco restantes foram retiradas. Andy Wright foi o ・timo a ser liberado da cadeia em 1950; 19 anos, dois meses e quinze dias ap・ passar sua primeira noite na pris・. O suposto l・er do grupo, Heywood Patterson, fugiu da pris・ em 1948, dirigindo-se ao Estado de Michigan, no Centro-Oeste, onde n・ h?segrega艫o oficial. O governador de Michigan recusou-se a extradit?lo de volta para o Alabama. O livro de Patterson, "Scottsboro Boy", foi publicado enquanto era fugitivo. Ele morreu de c・cer em 1952 com 39 anos de idade. Ozzie Powell e Clarence Norris, cujos nomes apareceram nas duas decis・s hist・icas da Suprema Corte, foram liberados da pris・ em 1946. Trinta anos mais tarde, Norris buscou e obteve anistia incondicional do ent・ governador do Alabama George C. Wallace. Wallace havia anteriormente favorecido as leis de segrega艫o do Estado mas, na d・ada de 1970, a segrega艫o oficial havia sido abolida no Alabama e o governador buscava corrigir os erros do passado. Em 1979, Norris publicou seu pr・rio livro sobre sua prova艫o, intitulado "The Last of the Scottsboro Boys". Ele morreu em 1989, o ・timo Menino de Scottsboro sobrevivente. Os Meninos de Scottsboro foram defendidos pelos mais d・pares grupos na d・ada de 1930, incluindo o Partido Comunista Norte-Americano e a Associa艫o para o Progresso das Pessoas de Cor, a mais antiga organiza艫o de direitos civis do pa・. Mas a eventual libera艫o da maior parte dos r・s foi principalmente o resultado do trabalho do Comit?de Defesa de Scottsboro, grupo de defesa dominado por norte-americanos de todas as cores. As demonstra苺es e exibi苺es realizadas em apoio aos Meninos de Scottsboro s・ consideradas pelos historiadores precursores significativos do moderno movimento dos direitos civis dos Estados Unidos, iniciado no princ・io da d・ada de 1950. As decis・s da Suprema Corte que foram emitidas como resultado do caso s・ consideradas decis・s hist・icas que ampliaram significativamente os direitos fundamentais dos afro-americanos; na verdade, de todos os norte-americanos. Scottsboro Hoje Ao chegar a Scottsboro hoje, sete d・adas mais tarde, n・ existe nenhuma indica艫o da inflex・el segrega艫o que deve ter parecido inviol・el no in・io da d・ada de 1930. O prefeito da cidade, Ron Bailey, quer que os visitantes saibam que Scottsboro, comunidade de cerca de apenas 15.000 pessoas, ?atualmente um lugar muito diferente daquela ・oca. "Nossa cidade est?agora totalmente integrada; a maior parte da nossa popula艫o n・ era nem mesmo nascida quando os primeiros julgamentos tiveram lugar aqui", afirma ele. "Deve-se julgar os eventos de 1931 no contexto das maiorias predominantes daquela ・oca", acrescentou. "Em 1931, ainda havia pessoas vivas nesta cidade que se lembravam pessoalmente da Guerra Civil. O Alabama recuperou-se muito mais lentamente que outras regi・s do Sul, economicamente e em outros setores." "?importante lembrar o que aconteceu nesta cidade em 1931, mas poderia ter acontecido em muitos lugares naquela ・oca", afirma Bailey. "Scottsboro mudou desde ent・ e, da mesma forma, o Sul. A Scottsboro de hoje ?progressista em termos de ra・. Provavelmente temos maior percentual de namoros e casamentos interraciais que em qualquer outro lugar do Alabama. E, atualmente, nossa cidade n・ ?mais apenas de brancos e negros, mas sim multiracial. Temos percentual crescente de asi・icos e hisp・icos, por exemplo. As rela苺es raciais em Scottsboro s・ agora muito similares a outras partes dos Estados Unidos. As coisas aqui n・ s・ perfeitas, mas j?caminhamos muito."
Ao come・ da p・ina |
Questoes de Democracia, Julho de 2001 |