GOVERNO LOCAL AUT・OMO NOS ESTADOS UNIDOS

Ellis Katz

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Os governos locais nos Estados Unidos fazem parte de uma complicada rede de rela苺es intergovernamentais criadas pelo federalismo americano, que limita o que os governos locais podem fazer e, ao mesmo tempo, lhes atribui poderes para empreender atividades e programas que, em outras circunst・cias, estariam fora da sua jurisdi艫o. Neste estudo de governo aut・omo local nos Estados Unidos, Ellis Katz, professor em・ito de ci・cia pol・ica e membro do Centro Para o Estudo de do Federalismo na Universidade de Temple, em Filad・fia, Pensilv・ia, examina as maneiras pelas quais as id・as de autonomia e federalismo afetam a organiza艫o e o funcionamento dos governos locais.


A Constitui艫o dos Estados Unidos cria um governo nacional com poderes limitados. Embora esses poderes sejam muito amplos, e tenham se expandido enormemente desde a elabora艫o da Constitui艫o em 1789, ainda se assume que o governo nacional s?possui os poderes a ele delegados pela Constitui艫o; todos os outros poderes est・ na esfera estadual. N・ h?men艫o do governo local na Constitui艫o dos Estados Unidos, e, de modo geral, compreende-se que o governo local ?uma quest・ de ・bito estadual, e n・ federal.

Isso n・ significa dizer que o governo federal n・ tem influ・cia sobre o governo local. A Constitui艫o federal, por exemplo, pro・e os governos estaduais e locais de infringir os direitos e liberdades civis dos seus residentes; ela os pro・e de promulgar leis que discriminem os cidad・s de outros estados. Al・ disso, as cidades e outras unidades de governo local participam de um sistema de subven苺es, pelo qual o governo federal repassa verbas no valor de mais de 225 bilh・s de d・ares por ano para os governos estaduais e locais, para muitas finalidades, do desenvolvimento da comunidade at?a educa艫o e alimenta艫o das crian・s. No entanto, o governo local ?uma quest・ de ・bito estadual, e n・ ?responsabilidade do governo federal.

De acordo com a teoria legal convencional, os governos locais s・ criados pelos governos estaduais. Suas estruturas institucionais s・ definidas e suas responsabilidades s・ delineadas pelo governo estadual, que tamb・ lhes atribui poderes de arrecada艫o. Na verdade, ?o governo estadual que d?aos governos locais "o sopro da vida", sem o qual eles n・ poderiam existir. Quaisquer que sejam as determina苺es da teoria legal, a realidade pol・ica ?que as cidades grandes e pequenas da Am・ica possuem um alto grau de autonomia e independ・cia.

Uma Paix・ pela Soberania Popular

Ao escrever, 167 anos atr・, o jornalista franc・ Alexis de Tocqueville observou que o padr・ de governo local dos Estados Unidos refletia a paix・ da Am・ica pela soberania popular. Ele queria dizer que os indiv・uos e as fam・ias se uniam para formar comunidades locais, as quais, por sua vez, se federavam para formar estados, o que finalmente levou ?cria艫o do governo nacional.

Apesar de um certo exagero, a observa艫o de Tocqueville d?conta do importante fato de que as unidades de governo local n・ s・ criadas por nenhuma autoridade superior, como o estado ou o governo federal, mas s・ criadas pelo pr・rio povo, e representam express・s populares e duradouras do nosso pensamento a respeito do governo local nos Estados Unidos.

Uma Variedade de Comunidades

Os americanos vivem em uma grande variedade de comunidades. No total, h?mais de 36.000 grandes e pequenas cidades nos Estados Unidos, atualmente. Quase 45 milh・s de americanos vivem em grandes cidades com uma popula艫o superior a 250.000 habitantes, outros 40 milh・s vivem em cidades de porte m・io, com popula艫o de 50.000 a 250.000 habitantes, e outros 40 milh・s vivem em pequenas cidades de 10.000 a 50.000 habitantes. Apesar de o pa・ ser "uma na艫o de cidades", 123 milh・s de americanos - quase 50 por cento do total da popula艫o - vivem em cidades de menos de 10.000 habitantes, em comunidades que podem, ou n・, ser constitu・as como munic・ios ou em ・eas rurais.

O tamanho da popula艫o de uma comunidade local afeta tanto os tipos de servi・s que podem ser prestados quanto a natureza da vida c・ica. Nos Estados Unidos, muitas comunidades locais muito pequenas n・ podem manter a sua pr・ria pol・ia ou corpo de bombeiros, escolas ou bibliotecas, ou sistemas de tratamento de esgoto, ou coleta de lixo. Essas pequenas comunidades freq・ntemente se unem a comunidades vizinhas para compartilhar esses servi・s ou firmam contratos com o governo do estado ou do condado para a presta艫o desses servi・s.

Ao mesmo tempo, o tamanho das cidades muito grandes causa um impacto na estrutura dos governos e na qualidade da vida c・ica. As grandes cidades, por exemplo, tendem a ter sistemas de governo em que o prefeito tem muita autoridade, porque, acredita-se que somente um indiv・uo muito poderoso pode liderar e mobilizar recursos em uma comunidade grande e diversificada. Muitas comunidades m・ias e pequenas contam com administradores que possuem treinamento profissional para essa fun艫o, n・ s・ ligados a nenhum partido pol・ico e dirigem as opera苺es do dia a dia do governo. As pequenas cidades, por outro lado, freq・ntemente possuem formas de governo com as caracter・ticas de uma comiss・; nesse sistema, uma comiss・ eleita possui autoridade legislativa e executiva. Nas comunidades menores, ?comum ocorrer uma situa艫o em que quase todos os moradores possuem um parente ou amigo que conhece pessoalmente algum l・er pol・ico importante. Portanto, o acesso pessoal aos indiv・uos que tomam as decis・s pol・icas ?muito mais f・il nas comunidades pequenas do que nas grandes cidades.

A Mudan・ das Cidades Para os Sub・bios

Uma das grandes tend・cias demogr・icas que t・ afetado a maneira pela qual os americanos vivem, e onde eles vivem, foi a mudan・ das cidades para os sub・bios. Essa mudan・ foi respons・el pela cria艫o de grandes ・eas metropolitanas que podem incluir uma ou mais cidades de tamanho substancial e muitas comunidades independentes, lim・rofes.

Esse padr・ de vida urbana-suburbana cria dif・eis problemas de governan・. Por exemplo, a cidade de Filad・fia tem aproximadamente 1,5 milh・ de habitantes, mas a ・ea metropolitana de Filad・fia (cuja defini艫o espec・ica inclui somente Filad・fia e os quatro condados vizinhos no estado da Pensilv・ia) tem quase 4 milh・s de habitantes, organizados politicamente em tr・ cidades, 92 munic・ios (pequenas cidades, geralmente com menos de 10.000 habitantes) e 145 distritos.

Um cidad・ t・ico pode ser morador de, pagar impostos a, e eleger os administradores de uma cidade ou distrito, um distrito escolar independente, v・ios distritos especiais, um condado e os governos - estadual e federal. N・ ??toa que existem quase 500.000 cargos p・licos eletivos dos Estados Unidos, atualmente.

Em muitos pa・es do mundo, esta prolifera艫o de governos seria intoler・el, e as cidades simplesmente se expandiriam, anexando os territ・ios que as rodeiam, ou algum tipo de governo metropolitano abrangente seria criado. No m・imo, os governos menores, suburbanos, seriam for・dos a se integrar, formando unidades maiores. Nos Estados Unidos, no entanto, os cidad・s t・ resistido a esses esfor・s, e t・ sido muito criativos quando se trata de encontrar maneiras de coordenar os servi・s p・licos, mantendo, ao mesmo tempo, a integridade das suas comunidades locais. De modo geral, as constitui苺es e as leis dos estados prev・m a exist・cia de pequenos munic・ios, distritos e governos locais de car・er geral, e condados, como subdivis・s administrativas do estado distritos escolares e mais de 33.000 outros distritos especiais que cumprem finalidades espec・icas limitadas, e que prestam e coordenam servi・s; tais servi・s transcendem as fronteiras jurisdicionais sem criar unidades governamentais maiores.

Subdivis・s dos Governos Locais

Todos os estados, com exce艫o de Connecticut e Rhode Island, s・ divididos em condados. Os condados s・ subdivis・s do pr・rio estado. Eles tendem a cobrir extensos territ・ios, e como os condados t・ tamanhos muito variados, a legisla艫o estadual, em geral, os divide em categorias, tendo como base a popula艫o. Dessa forma, pequenas varia苺es podem ocorrer no que diz respeito aos poderes dos governos dos condados, dependendo da popula艫o. Os condados podem incluir popula苺es urbanas, suburbanas ou rurais (ou at?mesmo combina苺es dessas tr・ categorias) e, como seria de se esperar, suas fun苺es podem variar de acordo com as suas caracter・ticas demogr・icas. Suas principais fun苺es s・ a administra艫o jur・ica, a seguran・ p・lica e a organiza艫o de elei苺es, embora nos ・timos anos eles tenham assumido v・ias novas fun苺es, como o recolhimento de detritos s・idos, a sa・e p・lica, bibliotecas, faculdades t・nicas e locais e prote艫o ambiental.

Os distritos, originalmente, eram subdivis・s do governo do condado e eram, basicamente, respons・eis pela manuten艫o das estradas. Atualmente, os distritos se encarregam de uma grande variedade de fun苺es governamentais, como policiamento e combate a inc・dios, coleta de lixo, zoneamento e uso do solo, recrea艫o e desenvolvimento econ・ico. A legisla艫o estadual geralmente os divide de acordo com a popula艫o ou a densidade demogr・ica. Em muitos estados, a ・ica diferen・ entre os distritos e as pequenas cidades ?que os distritos n・ possuem um documento constitutivo municipal.

As cidades s・ munic・ios que operam de acordo com documentos constitutivos outorgados pelos estados. At?a segunda metade do s・ulo XVIII, havia uma tend・cia segundo a qual o estado outorgava, a cada munic・io, um documento constitutivo espec・ico e exclusivo para as suas necessidades. Durante a segunda metade do s・ulo passado, com o aumento da urbaniza艫o, quase todos os estados previam documentos constitutivos municipais de car・er geral (・ vezes com algumas caracter・ticas opcionais), de modo que ao atingir uma certa popula艫o (geralmente 10.000 habitantes), uma comunidade local poderia solicitar um documento constitutivo ao estado, e ser elevada ?categoria de munic・io.

Em geral, as comunidades locais de popula苺es diferentes recebem tipos diferentes de documentos constitutivos, de tal forma que os documentos constitutivos das cidades maiores tendem a estabelecer um tipo de governo diferente do governo que caracteriza as cidades menores, e as cidades maiores possuem mais poder de arrecada艫o e regulamenta艫o do que as cidades pequenas. Mas em todos os casos, os poderes atribu・os a um munic・io devem ser interpretados de forma espec・ica. De acordo com a famosa opini・, emitida pelo juiz John Dillon, em 1868:

De modo geral, aceita-se sem discutir o fato de que um munic・io possui e pode exercer os seguintes poderes, e nenhum outro: primeiro, os poderes atribu・os em palavras expressas; segundo, aqueles necessaria ou razoavelmente impl・itos, ou associados aos poderes expressamente atribu・os; terceiro, aqueles que s・ essenciais para o cumprimento dos objetivos e finalidades declarados do munic・io - n・ apenas convenientes, mas indispens・eis. Qualquer d・ida justa, razo・el e substancial a respeito da exist・cia de um poder ?resolvida pelos tribunais contra um munic・io, e o poder ?negado.

A "Norma de Dillon", como o documento se tornou conhecido, embora seja tecnicamente correta, contradiz a realidade hist・ica e pol・ica observada por Tocqueville apenas 37 anos antes.

Autonomia

Para fazer frente ?percep艫o restritiva de Dillon no tocante ?autoridade local, os estados adotaram uma nova forma de estabelecer os governos locais; tratava-se de uma forma mais no estilo da tradi艫o americana de soberania popular.

Por exemplo, a come・r pelo Estado de Missouri, em 1875, os estados come・ram a mudar as suas respectivas constitui苺es de modo a conceder autonomia ・ comunidades locais. A disposi艫o da constitui艫o da Pensilv・ia referente ?autonomia local ?t・ica, e determina que "os munic・ios dever・ ter o direito e o poder de criar documentos constitutivos para a autonomia local". Operando em conformidade com tais documentos constitutivos, "um munic・io pode exercer qualquer poder ou desempenhar qualquer fun艫o que n・ seja negado por esta Constitui艫o, de acordo com o seu documento constitutivo de autonomia local, ou conforme determinado pela sua Assembl・a Geral". A Pensilv・ia, por legisla艫o, tamb・ estende a op艫o de autonomia local aos condados e distritos.

Hoje, muitos estados t・ algum tipo de disposi艫o constitucional referente ?autonomia local. De acordo com a maior parte das disposi苺es de autonomia local, os moradores de uma comunidade local escrevem e adotam o seu pr・rio documento constitutivo, que passa a servir como uma esp・ie de constitui艫o para a cidade. Embora os documentos constitutivos de autonomia representem um avan・ significativo quando se trata de restaurar a independ・cia hist・ica e a autonomia das comunidades locais, os cidad・s n・ podem adotar documentos constitutivos que estejam em desacordo com a constitui艫o ou as leis do estado. Al・ disso, os tribunais do estado s・ solicitados para interpretar documentos constitutivos de autonomia e freq・ntemente t・ se baseado na Norma de Dillon, assumindo uma postura restritiva em rela艫o ?autoridade local.

Distritos Escolares e Distritos Especiais

Al・ dos condados, distritos e munic・ios, os estados tamb・ criam distritos escolares e outros distritos especiais. Historicamente, a legisla艫o estadual simplesmente atribu・ ・ comunidades locais o direito de criar escolas p・licas (e ・ vezes as obrigava a faz?lo). As escolas eram organizadas, regulamentadas e financiadas pela comunidade local. ?medida que a educa艫o p・lica se tornou mais complicada e que o estado passou a financiar uma parcela mais significativa do custo da educa艫o, o papel do estado em quest・s importantes como o curr・ulo e o quadro funcional da escola cresceu. Atualmente, existe uma tens・ constante entre as for・s locais e estaduais no que se refere ao controle das escolas dentro de uma comunidade.

Os distritos especiais, sejam eles referentes ao recolhimento de detritos s・idos, ?prote艫o contra inc・dios ou outras quest・s, se desenvolverem por dois motivos. Primeiro, devido ao fato de que as constitui苺es estaduais limitam o endividamento local, os distritos especiais ・ vezes s・ criados para financiar projetos que envolvem muito capital, por meio da emiss・ de obriga苺es para fins p・licos. Segundo, como alguns problemas transcendem os limites de v・ios governos locais, um distrito especial pode ser criado para tratar de um determinado problema que afeta v・ias jurisdi苺es. Qualquer que seja a sua estrutura e autoridade precisas, esses distritos especiais t・ provado a sua utilidade quando se trata de impedir a consolida艫o de pequenas unidades locais de governo em governos regionais maiores.

Governo Local Aut・omo e Respons・el

Quando se pensa em governo local, talvez a principal pergunta seja: a quem os governos locais devem se reportar?

Em alguns pa・es, os governos locais s・, de fato, administra苺es locais, e funcion・ios p・licos locais se reportam a alguma autoridade superior. Nesses pa・es, a arrecada艫o fiscal tende a ser centralizada, as autoridades centrais freq・ntemente auditam as despesas locais, e ・ vezes h?at?algum tipo de governador indicado que fiscaliza as atividades dos administradores locais.

Nos Estados Unidos, no entanto, os administradores locais, em princ・io, devem se reportar aos cidad・s locais. As comunidades locais arrecadam a maior parte dos seus pr・rios impostos, a fun艫o de auditoria central ?extremamente limitada, e os departamentos estaduais de assuntos comunit・ios somente existem para prestar servi・s aos governos locais, e n・ para fiscalizar as suas opera苺es.

No entanto, os governos locais n・ s・ inteiramente aut・omos e independentes. Eles fazem parte da estrutura geral da constitui艫o e das leis de um estado, da mesma forma que os pr・rios estados americanos fazem parte da estrutura da Constitui艫o dos Estados Unidos. Na verdade, alguns estados -- Connecticut, New Hampshire, e muitos estados da Nova Inglaterra e da faixa intermedi・ia da costa do Atl・tico, por exemplo - operam quase como se fossem federa苺es das suas comunidades locais. No entanto, outros estados -- Idaho, Novo M・ico e muitos estados do oeste e do sul - s・ consideravelmente mais centralizados e controlam cuidadosamente as opera苺es das suas comunidades locais.

Qualquer que seja o conceito pelo qual analisamos a rela艫o entre a comunidade local e o estado, devemos reconhecer que sempre haver?uma tens・ entre os defensores do governo aut・omo local e os defensores da centraliza艫o. O pr・rio fato de que essa tens・ existe, e de que as comunidades locais e os estados negociam, entre si, os poderes relativos de cada entidade, ?uma prova de que a observa艫o de Tocqueville, no s・ulo XIX, sobre o quanto valorizamos as nossas institui苺es, ainda ?uma parte importante do sistema americano.

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