OS PODERES DO GOVERNO LOCAL NOS ESTADOS UNIDOS

David R. Berman

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Alguns anos atr¡¦, o prefeito de uma cidade americana de porte m¡¦io identificou os seus tr¡¦ maiores problemas como sendo "dinheiro, finan¡¦s e renda". Ele, assim como outras autoridades governamentais em n¡¦el local nos Estados Unidos, n¡¦ tinha muito controle sobre os seus problemas financeiros. Como a economia americana est?melhor atualmente, os problemas or¡¦ment¡¦ios dos munic¡¦ios j?n¡¦ s¡¦ t¡¦ s¡¦ios. Mas ainda h?muitas coisas que os estados podem fazer para ajudar as autoridades municipais a tratar das exig¡¦cias financeiras que as afligem, al¡¦ de limitar as suas pr¡¦rias agendas no trato com os governos locais. Trata-se de uma hist¡¦ia t¡¦ antiga quanto a pr¡¦ria rep¡¦lica. Quais devem ser os poderes dos governos locais e estaduais, especialmente no que se refere ?arrecadação fiscal, e at?que ponto eles devem ser independentes do governo federal? No artigo que se segue, David R. Berman, professor de ci¡¦cia pol¡¦ica na Universidade Estadual do Arizona [Arizona State University] e especialista em governos locais e estaduais, explica a natureza do sistema americano, e destaca algumas tend¡¦cias. Este artigo ?uma adaptação da sua an¡¦ise das relações entre os governos estaduais e locais, e foi publicado pela primeira vez no Municipal Year Book.


Quando os Fundadores da Revolução Americana se reuniram em Filad¡¦fia em 1787 para redigir a Constituição dos Estados Unidos, um dos princ¡¦ios b¡¦icos sobre os quais eles todos concordaram era de que o poder n¡¦ deveria ser concentrado em uma pessoa, em um grupo ou em um lugar. Tendo sofrido os efeitos do que eles consideravam o dom¡¦io arbitr¡¦io de um poder colonial, eles estavam decididos a dotar a nova forma de governo da Rep¡¦lica de um sistema de fiscalização e controle que preservasse as liberdades das pessoas que, agora, eram cidad¡¦s, e n¡¦ s¡¦itos.

A divis¡¦ do poder no n¡¦el federal entre o presidente, o Congresso e a Suprema Corte ?o exemplo mais vis¡¦el do sistema de fiscalização e controle da Constituição dos Estados Unidos - mas n¡¦ ?o ¡¦ico. Os Fundadores tamb¡¦ queriam que houvesse um sistema de fiscalização e controle sobre o poder exercido pelo governo federal sobre os estados e munic¡¦ios. James Madisondefiniu esse requisito de maneira sucinta. "Os poderes delegados...ao governo federal s¡¦ poucos e definidos". Dessa forma, os Fundadores determinaram que o governo local nos Estados Unidos deveria ficar sob o controle - mas n¡¦ de forma coercitiva - dos estados, e n¡¦ do governo federal.

O governo dos Estados Unidos tem o poder de arrecadar impostos e de gastar, mas as autoridades locais tamb¡¦ t¡¦ esse poder - sob a orientação dos estados - de forma independente do governo federal. Os visitantes estrangeiros freq¡¦ntemente ficam impressionados pela enorme quantidade de quest¡¦s resolvidas no n¡¦el local nos Estados Unidos, um grau de descentralização que, no passado, era considerado por algumas pessoas como sendo confuso e que levava ao desperd¡¦io; agora, no entanto, esse sistema atrai, cada vez mais, o interesse de pa¡¦es nos quais o poder centralizado deu resultados que deixavam a desejar.

A posição dos Estados Unidos sempre foi a de que o melhor governo ?aquele que est?mais pr¡¦imo do povo. E, por exemplo, se o povo do Kansas quiser asfaltar suas rodovias de maneira diferente daquela preferida pelo povo da Carolina do Norte, ou estabelecer um curr¡¦ulo escolar diferente, a Constituição lhe garante o direito de faz?lo. Na verdade, a maior parte dos estados d?aos seus governos locais uma flexibilidade consider¡¦el, promovendo, ao m¡¦imo, o controle local, independente do governo do estado, e mais independente ainda do governo federal. Isso inclui a arrecadação fiscal em n¡¦el local, dentro de certos par¡¦etros, que diferem muito de um estado para o outro.

Principais Fontes de Arrecadação Local

As autoridades locais - na sua maioria os governos dos condados e das cidades - nos Estados Unidos, arrecadam mais de 65 por cento da sua pr¡¦ria receita, uma parcela significativa, que a maioria gostaria de manter ou aumentar, devido ?convicção de que a arrecadação fiscal gerada em n¡¦el local maximiza o controle local. O restante do custeio prov¡¦ de v¡¦ias fontes, incluindo o governo do respectivo estado, e o governo federal. Parte dessa assist¡¦cia, no entanto, tem algumas implicações.

No que diz respeito aos recursos arrecadados localmente, uma das principais fontes de arrecadação em quase todas as localidades ?o imposto de propriedade, que incide sobre resid¡¦cias e im¡¦eis comerciais. De modo geral, posses significativas em termos de im¡¦eis, assim como os rendimentos, s¡¦ considerados grandes fontes para o custeio do governo. Os impostos sobre a propriedade s¡¦ a maior fonte isolada de renda dos governos locais - aproximadamente 26 por cento da renda total desses governos. Cinco por cento da arrecadação fiscal dos governos locais se origina dos impostos sobre a venda de bens e mercadorias, adotados localmente (permitidos por pouco mais da metade dos estados), dois por cento se origina do imposto de renda individual, cobrado localmente (permitido por um pequeno n¡¦ero de estados), e aproximadamente 14 por cento, de tarifas de uso e tributos diversos.

Al¡¦ disso, os estados contribuem com a arrecadação local, especialmente sob a forma de subvenções e da devolução de uma parcela da arrecadação estadual para os governos locais. As subvenções geralmente se destinam a programas espec¡¦icos, como educação ou transporte, embora a maior parte dos estados tamb¡¦ conceda subvenções isentas de restrições. Os impostos estaduais sobre a venda de bens e mercadorias, imposto de renda e tributos associados ?gasolina, s¡¦ as fontes de renda que s¡¦ compartilhadas com os governos locais com a maior freqüência. Assim como ocorre com as subvenções, parte dessa renda ?isenta de restrições, e parte dela se destina a fins espec¡¦icos, como melhorias nas estradas. A ajuda dos estados ¡¦ cidades geralmente equivale, em m¡¦ia, a um ter¡¦ de todas as despesas dos estados.

Nas ¡¦timas duas d¡¦adas, as tarifas de uso t¡¦ sido aplicadas, cada vez mais, para financiar uma s¡¦ie de servi¡¦s no n¡¦el local - tudo, desde despesas com ¡¦ua e esgoto at?o custeio de v¡¦ios tipos de servi¡¦s de transporte. A tend¡¦cia ?baseada na convicção de que, idealmente, o usu¡¦io direto de um servi¡¦ deveria pagar por ele. Tais tarifas s¡¦ cobradas, ¡¦ vezes, at?dos usu¡¦ios indiretos. Por exemplo, freq¡¦ntemente s¡¦ cobradas tarifas das incorporadoras de empreendimentos residenciais e comerciais, para compensar os custos da construção ou da expans¡¦ de estradas, esgotos e outros servi¡¦s que facilitam os seus projetos.

Outras rendas s¡¦ provenientes de uma s¡¦ie de outras fontes, incluindo empreendimentos de propriedade local, como pontos de venda de bebidas alco¡¦icas operados pelo estado e cassinos legalizados e a emiss¡¦ de t¡¦ulos da d¡¦ida p¡¦lica, especialmente para a construção de estradas.

Fiscalização do Governo Local

Os poderes atribu¡¦os aos estados, em conformidade com a Constituição - por meio dos estados, ao governo local - s¡¦ vistos como uma forma de fiscalizar e controlar o governo federal. No entanto, nos ¡¦timos anos, os eleitores t¡¦ procurado limitar o poder dos governos locais, especialmente nos casos em que eles acharam que os impostos estavam altos demais ou que os programas das autoridades municipais eram ambiciosos demais.

Al¡¦ do controle ¡¦vio proporcionado pelas eleições, os eleitores, em muitas cidades, t¡¦ se valido de referendos para for¡¦r a implementação de mudan¡¦s nos governos, tanto no n¡¦el local quanto estadual. Os referendos ou plebiscitos, um exemplo de democracia direta, s¡¦ usados em aproximadamente metade dos estados.

Nas ¡¦timas d¡¦adas, os eleitores da Calif¡¦nia t¡¦ assumido uma posição de lideran¡¦. Em 1978, eles aprovaram a Proposta 13, que limitou as al¡¦uotas dos impostos sobre a propriedade e limitou os aumentos do valor venal de uma propriedade, a n¡¦ ser em caso de venda da propriedade. Atrav¡¦ da adoção de uma s¡¦ie de outras propostas, a Calif¡¦nia agora exige que virtualmente todos os instrumentos locais para a arrecadação fiscal (impostos, tarifas, tributos) sejam aprovados por dois ter¡¦s, ou mais, dos eleitores.

Restrições similares ao poder dos governos estaduais e municipais t¡¦ sido impostas em outros estados - n¡¦ pelo governo federal - mas pelos pr¡¦rios eleitores. Nos estados que n¡¦ possuem referendos, os eleitores e outras partes interessadas freq¡¦ntemente utilizam as legislaturas estaduais para promulgar restrições aos governos locais, que na sua percepção, tenham se tornado poderosos demais.

Os meios de comunicação tamb¡¦ funcionam como um instrumento de controle dos governos locais nos Estados Unidos. Embora haja algumas redes nacionais de m¡¦ia eletr¡¦ica e jornais de circulação nacional, a maior parte da m¡¦ia nos Estados Unidos ?local. Se o governo local prop¡¦ um aumento nos impostos, por exemplo, seja ele considerado justificado ou n¡¦, os jornais e as emissoras locais de r¡¦io e televis¡¦, sem falta, noticiam o fato, e os cidad¡¦s, com certeza, s¡¦ informados.

Tend¡¦cias nos Governos Locais nos Estados Unidos

Embora, nos ¡¦timos anos, os eleitores tenham apresentado uma tend¡¦cia a restringir os poderes dos governos locais, tamb¡¦ tem havido, por outro lado, uma tend¡¦cia no n¡¦el estadual e federal, de caminhar em direção ?descentralização ou ?devolução, solicitando ¡¦ autoridades locais que implementem mais iniciativas localmente e que assumam uma parcela maior do custo.

Isso tem servido de est¡¦ulo aos governos locais, para que estes criem instrumentos ainda mais criativos para a arrecadação fiscal. Tais instrumentos incluem: aumentos previstos de impostos, terceirização de servi¡¦s para a cidade e o estabelecimento de parcerias com outros governos locais para racionalizar a prestação de servi¡¦s. Na maioria dos casos, os estados v¡¦m com bons olhos a implementação desses esfor¡¦s e iniciativas.

Embora, para os administradores locais, ainda seja importante conseguir mais autoridade, sob o ponto de vista tribut¡¦io, alguns d¡¦ uma import¡¦cia igual ou maior ?redução do mandatos estaduais, isto ? programas caros que os governos estaduais imp¡¦m ¡¦ administrações locais sem repassar verbas. Conseq¡¦ntemente, h?uma tend¡¦cia ?redução dos mandatos estaduais sobre as autoridades locais.

No entanto, a tend¡¦cia a uma maior descentralização n¡¦ ?absoluta. Alguns estados assumiram mais responsabilidade, especialmente para o financiamento dos tribunais e pris¡¦s locais, para o atendimento m¡¦ico dos indigentes e certos tipos de servi¡¦ social. A atribuição da responsabilidade por um programa ao estado representa um al¡¦io, em termos financeiros, para os governos locais, mas ¡¦ vezes o pre¡¦ ?a perda do controle local, o que para algumas jurisdições, ?dif¡¦il de aceitar.

As relações entre os governos estaduais e locais s¡¦, na verdade, muito complexas e envolventes. H?uma grande diversidade nessas relações. Em alguns estados, os governos locais t¡¦ muito mais independ¡¦cia do estado - al¡¦ de autoridade para arrecadação fiscal - do que em outros. N¡¦ existe um padr¡¦ para os governos locais nos Estados Unidos, e n¡¦ existe um tipo universal de relação entre um estado e as jurisdições locais no seu territ¡¦io.

Al¡¦ disso, ?claro que o poder e a autoridade entre os dois n¡¦eis de governo sofreu muitos altos e baixos durante per¡¦dos diferentes da hist¡¦ia dos Estados Unidos - devido a decis¡¦s judiciais e circunst¡¦cias econ¡¦icas, sociais, pol¡¦icas e tecnol¡¦icas. Algumas cidades s¡¦ mais ricas que as outras e t¡¦ mais capacidade de cuidar dos seus pr¡¦rios neg¡¦ios. Algumas dependem mais da assist¡¦cia do estado. Nos ¡¦timos anos tem havido uma tend¡¦cia, em geral no sentido de devolver a m¡¦ima autoridade poss¡¦el ao governo local.

No entanto, um princ¡¦io consistente no decorrer da hist¡¦ia dos Estados Unidos, ?que os governos estaduais - e atrav¡¦ deles, as autoridades locais - t¡¦ poderes separados, em conformidade com a Constituição, que o governo federal n¡¦ pode revogar. Este princ¡¦io ?garantido pela D¡¦ima Emenda da Constituição, como se segue: "Os poderes que n¡¦ forem delegados aos Estados Unidos (o governo federal), nem proibidos por ele aos estados, s¡¦ reservados aos estados, respectivamente, ou ao povo."


DEFENSORES DOS GOVERNOS LOCAIS

No final do s¡¦ulo passado, e especialmente neste s¡¦ulo, algumas organizações foram constitu¡¦as para representar os interesses dos governos locais no n¡¦el estadual e federal. Duas das mais importantes s¡¦ a Liga Nacional de Cidades [National League of Cities] e a Confer¡¦cia dos Prefeitos dos Estados Unidos [U.S. Conference of Mayors].

A Liga Nacional de Cidades tem como objetivo influenciar os governos estaduais em nome dos governos locais, principalmente atrav¡¦ das sua ligas municipais nos estados. O movimento das ligas municipais nos estados teve in¡¦io no final do s¡¦ulo XIX. Atualmente ele presta servi¡¦s ¡¦ cidades e funciona como um f¡¦um para promover a cooperação entre as cidades, al¡¦ da sua função-chave de servir aos interesses dos munic¡¦ios no n¡¦el estadual.

A Confer¡¦cia dos Prefeitos dos Estados Unidos, entre outras atribuições, fornece informações e presta assist¡¦cia t¡¦nica aos governos municipais. Ela tamb¡¦ prepara relat¡¦ios a respeito dos principais problemas enfrentados pelas cidades e conduz campanhas de educação, de ¡¦bito nacional, para persuadir o p¡¦lico e as autoridades de outros n¡¦eis governamentais, da import¡¦cia das quest¡¦s locais. A Liga Nacional das Cidades e a Confer¡¦cia dos Prefeitos dos Estados Unidos tamb¡¦ representam os interesses das cidades no n¡¦el federal.


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